
Terça-feira da Primeira Semana
O que é que obtemos com a prática espiritual? Espera-se que não seja nada de importante para converter em dinheiro ou para tornar o nosso CV mais interessante. Quando Jesus fala da oração, do jejum e de dar esmola, Ele desaponta o ego pela forma como o coloca fora do radar, fora de qualquer fonte de orgulho ou de autocongratulação. “Que a vossa mão esquerda não saiba o que faz a mão direita”, quando derdes esmola, diz Ele. Não só não somos autorizados a procurar o reconhecimento dos outros; o próprio ego auto-observador não é autorizado a entrar no jogo. “Secreto” é a palavra que Ele usa mais do que uma vez – em Grego é “mysterion”. Não extraiais a prática espiritual do reino do mistério, do conhecimento unitivo, onde não há actores nem uma plateia para a apreciar.
Esta consciência-desapegada-de-si-mesmo é, na realidade, uma forma mais elevada de consciência. Por muito difícil que possa ser para nós abdicar da nossa posição na torre de controlo do ego, de facto, vemos e conhecemos muito mais quando o fazemos. O difícil que é abrir mão da atenção autocentrada fica evidente assim que nos sentamos para meditar e manter a nossa atenção sobre o mantra. O quão “gratificante” isto é torna-se evidente pelos frutos que surgem por toda a nossa vida, surpreendentemente e maravilhosamente, como se fossem flores primaveris, simples, mas duma beleza de partir o coração, que emergem do solo estéril na mudança de estação.
Muitas pessoas religiosas pensam que a recompensa é um razoável entendimento do que obtemos da prática espiritual e do exercício da virtude. Mas é apenas uma metáfora. Deus recompensa tanto como pune. A própria ideia de mérito, que enche a cabeça de muitos budistas, cristãos, hindus e judeus, é esquiva. É uma mercantilização do que é espiritual, que é imensurável e que reside apenas no carácter secreto do mistério. O mérito é difícil de separar da auto-satisfação. Assim, o que obtemos da observação quaresmal e da nossa prática quotidiana é a simplicidade. Não há fim para a simplicidade e, portanto, ela não é um objectivo a atingir. A certo ponto, o desejo de ser simples dissipa-se e apenas nos tornamos verdadeiramente simples quando paramos de pensar nisso. S. Tomás de Aquino pensava que “Deus é infinitamente simples”. (Que grande alívio saber que somos criados, redimidos e amados por um Deus assim.)
O significado da nossa prática é o de que nos tornamos como Deus, simples (por nos tornarmos como Jesus). O ego não gosta disto, ao princípio, pois ele quer apenas ser como o brilho dos óscares ou os ícones de sucesso entronizados pelos media. Mas o ego, como uma criança gananciosa, pode aprender a crescer. Aprendemos que a simplicidade acontece por meio de um processo duro, mas necessário, de des-ilusionismo.
Quando dizemos “sinto-me desiludido” ou “as pessoas estão desiludidas com a política, a religião, os jornalistas, os banqueiros …”, parece triste e um desapontamento. Temos que pensar no que é que isso significa para podermos dizer “viva, estou desiludido”.
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