
Sexta-feira após as Cinzas
Os sucessivos dias da Quaresma – tal como um bom adicto que vai vivendo um dia de cada vez – são uma oportunidade de tornarmos mais clara a nossa vida, o seu funcionamento e as suas disfuncionalidades e, também, o seu significado maior. Se isso acontecer durante estes quarenta (ou quarenta e seis) dias, parecerá que é mais por acidente do que por força de vontade. Porém, precisamos realmente de nos preparar para o acidente e para sermos surpreendidos.
No entanto, a claridade e a obscuridade nunca estão longe uma da outra. Nunca temos uma visão absolutamente clara sobre tudo, excepto talvez, por vezes, num sonho profundo, em que todas as coisas podem aparecer num flash intemporal da eternidade-como-um-todo e ligadas de forma muito bela numa ordem cósmica que nos enche, por um momento, de maravilha e dum enorme alívio: um regresso a casa onde já não precisamos de pensar, de nos preocupar ou de fazer planos.
Mas, a maior parte do tempo, algumas coisas ou certos ângulos da mesma coisa são claros como cristal, enquanto outras são, simultaneamente, tão turvas como o lago de Bonnevaux depois duma chuvada. Naturalmente, preferimos refugiar-nos nos poucos troços claros da nossa perspectiva da imagem como um todo. E estes não devem ser ignorados. Mas, de facto, podem bem ser as coisas menos claras – o nevoeiro da vida – que são as mais significativas. Em qualquer caso, temos que levar em conta e respeitar igualmente tanto as coisas claras como as obscuras.
Isto ajuda-nos a lidar com os problemas da obscuridade moral, quando não estamos seguros do que fazer ou do que é certo ou errado. Poucas coisas e ainda menos julgamentos sobre coisas são, simplesmente, preto ou branco. Os motivos – e o próprio carácter humano – são muito vezes misturados ou fracos e instáveis. O bem pode transformar-se no mal e o escuro pode, de repente, surpreender-nos com um brilho espantoso. Viver com esta oscilação entre o bem e o mal (tal como os vemos) é, às vezes, um bocado confuso e irracional. Mas pelo menos isso desarma os piores vírus do preconceito, do racismo, da intolerância e muitas das outras estupidezes que causam uma infelicidade tão extrema.
A Quaresma – significando a Quaresma do dia a dia, da nossa meditação de manhã e à tardinha e a Quaresma momento a momento do mantra – ajuda-nos a manter-nos no caminho do meio. Conduz-nos em segurança através dos troços de obscuridade e ajuda-nos a evitar cair no abismo da grande escuridão, que é também a maior superficialidade e desperdício de tempo e é sempre aquilo que mais deveríamos temer.
Com amor,
Laurence
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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