Quinta-feira da Segunda Semana
Um intelectual ateu que uma vez conheci disse-me: “Quem me dera ser um católico que conseguisse acreditar que acender uma vela por alguém em apuros pudesse fazer algum bem”. É uma atitude face à fé que muitos não crentes têm, desejando que não fossem tão inteligentes e livres de ilusões, de modo a poderem ter o falso conforto de acreditar numa ilusão.
Que diferença é que acender uma vela faz? Ou a Eucaristia? Ou qualquer das formas de oração que podem parecer aliviar a nossa ansiedade ou solidão mas não fazem nenhuma diferença à causa do problema? É como ao comprar um bilhete de lotaria, sabermos que não vamos ganhar, mas compramo-lo na mesma.
“Pedi e recebereis, procurai e encontrareis, batei à porta e ela será aberta”. Em tempos de inquietude, especialmente, estas palavras podem ser fatalmente mal interpretadas. O que elas verdadeiramente significam só pode ser compreendido quando tivermos descoberto o que elas não significam. Descobrir a sua verdade abana a nossa ideia de Deus até às raízes, e dissolve ilusões mantidas e acarinhadas por longo tempo, sobre nós mesmos enquanto filhos de Deus. Os filhos têm fortes expectativas. Por exemplo, suplicamos, no nosso vale da escuridão, por um fim da dor, por alívio ou um bom resultado de tudo aquilo por que estamos a passar. Durante a Primeira Grande Guerra, os soldados nas trincheiras ouviam os seus companheiros feridos a morrer sozinhos durante toda a noite na terra de ninguém. Ao início, suplicavam a Deus para que os salvasse. Mesmo antes de morrer, eles simplesmente chamavam pela sua mãe.
Apelar a Deus, com um coração sincero, para que mude as coisas quando elas se tornam insuportáveis, pode trazer alívio. Mas quando a oração retorna sem resposta, “devolvida ao remetente”, e as coisas continuam a ficar piores, o alívio altera-se para perplexidade e desespero. Como é que Deus pode ser tão cruel, tão insensível aos Seus filhos? É então que a nossa versão de Deus começa a morrer.
Os deuses do mundo antigo, que dependiam da devoção e credulidade humanas, começaram a desaparecer à medida que as pessoas deixavam de acreditar neles e transferiam a sua lealdade para os novos deuses. Os falsos deuses estão sempre a morrer e novos deuses a nascer. Mas é muito difícil descobrir e aceitar que o Deus a quem estamos também a orar, com o coração tão cheio de esperança, está silencioso porque não existe.
Porém, esse mesmo terrível e negativo silêncio pode tornar-se num verdadeiro silêncio do Deus vivo. Temos que o aguentar, sentar nele, aprender a esperar sem esperança, porque a esperança seria uma esperança pela coisa errada. O estéril vazio do espaço morto da nossa velha fé fica grávido, como e quando, não sabemos. À medida que o recém-nascido e verdadeiro Deus vai crescendo em nós, sentimos uma esperança e uma alegria na agitação da vida. Esta é a espiritualidade do deserto da Quaresma – permitir que o recém-concebido se forme na nossa duradoura espera, sem nada em que possamos pensar como esperança. E descobrindo, contra todas as probabilidades, alegria até no meio do sofrimento.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Um intelectual ateu que uma vez conheci disse-me: “Quem me dera ser um católico que conseguisse acreditar que acender uma vela por alguém em apuros pudesse fazer algum bem”. É uma atitude face à fé que muitos não crentes têm, desejando que não fossem tão inteligentes e livres de ilusões, de modo a poderem ter o falso conforto de acreditar numa ilusão.
Que diferença é que acender uma vela faz? Ou a Eucaristia? Ou qualquer das formas de oração que podem parecer aliviar a nossa ansiedade ou solidão mas não fazem nenhuma diferença à causa do problema? É como ao comprar um bilhete de lotaria, sabermos que não vamos ganhar, mas compramo-lo na mesma.
“Pedi e recebereis, procurai e encontrareis, batei à porta e ela será aberta”. Em tempos de inquietude, especialmente, estas palavras podem ser fatalmente mal interpretadas. O que elas verdadeiramente significam só pode ser compreendido quando tivermos descoberto o que elas não significam. Descobrir a sua verdade abana a nossa ideia de Deus até às raízes, e dissolve ilusões mantidas e acarinhadas por longo tempo, sobre nós mesmos enquanto filhos de Deus. Os filhos têm fortes expectativas. Por exemplo, suplicamos, no nosso vale da escuridão, por um fim da dor, por alívio ou um bom resultado de tudo aquilo por que estamos a passar. Durante a Primeira Grande Guerra, os soldados nas trincheiras ouviam os seus companheiros feridos a morrer sozinhos durante toda a noite na terra de ninguém. Ao início, suplicavam a Deus para que os salvasse. Mesmo antes de morrer, eles simplesmente chamavam pela sua mãe.
Apelar a Deus, com um coração sincero, para que mude as coisas quando elas se tornam insuportáveis, pode trazer alívio. Mas quando a oração retorna sem resposta, “devolvida ao remetente”, e as coisas continuam a ficar piores, o alívio altera-se para perplexidade e desespero. Como é que Deus pode ser tão cruel, tão insensível aos Seus filhos? É então que a nossa versão de Deus começa a morrer.
Os deuses do mundo antigo, que dependiam da devoção e credulidade humanas, começaram a desaparecer à medida que as pessoas deixavam de acreditar neles e transferiam a sua lealdade para os novos deuses. Os falsos deuses estão sempre a morrer e novos deuses a nascer. Mas é muito difícil descobrir e aceitar que o Deus a quem estamos também a orar, com o coração tão cheio de esperança, está silencioso porque não existe.
Porém, esse mesmo terrível e negativo silêncio pode tornar-se num verdadeiro silêncio do Deus vivo. Temos que o aguentar, sentar nele, aprender a esperar sem esperança, porque a esperança seria uma esperança pela coisa errada. O estéril vazio do espaço morto da nossa velha fé fica grávido, como e quando, não sabemos. À medida que o recém-nascido e verdadeiro Deus vai crescendo em nós, sentimos uma esperança e uma alegria na agitação da vida. Esta é a espiritualidade do deserto da Quaresma – permitir que o recém-concebido se forme na nossa duradoura espera, sem nada em que possamos pensar como esperança. E descobrindo, contra todas as probabilidades, alegria até no meio do sofrimento.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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