Quinta-feira da Terceira Semana
Gostaria de enviar esta reflexão para a nossa comunidade em Itália visto eles, com os seus 60 milhões de compatriotas, estarem de quarentena por causa do coronavírus. Toda a nossa comunidade pelo mundo fora gostaria de vos transmitir que estamos convosco em pensamento nestes dias tão fora do normal. Mais do que apenas pensarmos em vós, nós vos guardamos com amorosa amizade nos nossos corações durante a meditação e nas nossas orações.
Cabe-vos a vós dizerem como se sentem e como está a ser para vós e vossas famílias toda essa situação - e é com muita alegria que acolheremos as vossas publicações no nosso website ou blogue. Falarei com o nosso coordenador nacional no sentido de saber se gostariam desta ligação à nossa comunidade mais alargada. Mas, ao tentar imaginar a vossa situação, vêm-me à mente duas comparações. A primeira é um filme catastrófico de Hollywood. Muita da cobertura mediática da pandemia favorece isso e, na verdade, as cenas de ruas vazias e o cancelamento de transportes sugerem-no.
Mas a outra comparação de que me lembrei é a de um retiro que começa de uma maneira e acaba de outra. A diferença óbvia é que um retiro é uma escolha livre de como e onde passamos o nosso tempo livre. No entanto, quando Aleksander Solzhenitsyn foi libertado do campo de trabalhos forçados do Gulag, onde esteve preso oito anos, disse que olhou para trás e chorou. As suas lágrimas eram um misto de alívio pela sua saída e gratidão pelo que a vida no campo lhe tinha ensinado sobre ele mesmo e sobre o coração humano. A experiência que ele viveu e as pessoas que conheceu inspiraram os seus livros durante anos.
Às vezes, quando somos forçados a fazer algo e nos sentimos prisioneiros de uma força externa e friamente impessoal, podemos arder em fúria ou entrar em depressão. E às vezes, só às vezes, se tivermos sorte, a experiência de sermos constrangidos liberta-nos para novas e surpreendentes visões da realidade. Encontramos algo de que não suspeitávamos, uma graça escondida que não poderia de outro modo ter sido capaz de nos encontrar.
Como na meditação, há alturas em que nos sentamos num deserto, secos e infinitamente distraídos pelas nossas ansiedades e perdas. Uma vazia desolação invade-nos até onde podemos sentir em todas as direções. O melhor, pensamos nós, é fazer qualquer coisa de útil ou autogratificante. A solidão não é o espaço aberto no qual nos sentimos ligados a um todo maior, mas sim o estar só, um aperto, um sentimento de abandono ou de termos sido esquecidos. O espectro da aflição assombra a nossa alma.
Então, a partir de um ponto interior, sem localização, um invisível raio de luz toca-nos e recupera a nossa alma enrugada para a vida e a esperança. Não é que todos os nossos desejos estejam cumpridos; de facto, pode ser que nenhum deles o esteja, e a dor ou a perda podem ainda estar demasiado presente. Mas emerge uma alegria que abre caminho para a fonte do ser, o nosso ser.
Espero que de algum modo, para todos os nossos amigos italianos, que se sentem enclausurados por forças externas, um pouco de paz desta liberdade interior, possa pelo menos ocasionalmente surgir. Esperamos que o tempo de paralisação e quarentena seja curto. Esperamos isto por vós e porque o resto de nós precisa das coisas belas – do vosso temperamento e do vosso país – que nos fazem amar-vos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Gostaria de enviar esta reflexão para a nossa comunidade em Itália visto eles, com os seus 60 milhões de compatriotas, estarem de quarentena por causa do coronavírus. Toda a nossa comunidade pelo mundo fora gostaria de vos transmitir que estamos convosco em pensamento nestes dias tão fora do normal. Mais do que apenas pensarmos em vós, nós vos guardamos com amorosa amizade nos nossos corações durante a meditação e nas nossas orações.
Cabe-vos a vós dizerem como se sentem e como está a ser para vós e vossas famílias toda essa situação - e é com muita alegria que acolheremos as vossas publicações no nosso website ou blogue. Falarei com o nosso coordenador nacional no sentido de saber se gostariam desta ligação à nossa comunidade mais alargada. Mas, ao tentar imaginar a vossa situação, vêm-me à mente duas comparações. A primeira é um filme catastrófico de Hollywood. Muita da cobertura mediática da pandemia favorece isso e, na verdade, as cenas de ruas vazias e o cancelamento de transportes sugerem-no.
Mas a outra comparação de que me lembrei é a de um retiro que começa de uma maneira e acaba de outra. A diferença óbvia é que um retiro é uma escolha livre de como e onde passamos o nosso tempo livre. No entanto, quando Aleksander Solzhenitsyn foi libertado do campo de trabalhos forçados do Gulag, onde esteve preso oito anos, disse que olhou para trás e chorou. As suas lágrimas eram um misto de alívio pela sua saída e gratidão pelo que a vida no campo lhe tinha ensinado sobre ele mesmo e sobre o coração humano. A experiência que ele viveu e as pessoas que conheceu inspiraram os seus livros durante anos.
Às vezes, quando somos forçados a fazer algo e nos sentimos prisioneiros de uma força externa e friamente impessoal, podemos arder em fúria ou entrar em depressão. E às vezes, só às vezes, se tivermos sorte, a experiência de sermos constrangidos liberta-nos para novas e surpreendentes visões da realidade. Encontramos algo de que não suspeitávamos, uma graça escondida que não poderia de outro modo ter sido capaz de nos encontrar.
Como na meditação, há alturas em que nos sentamos num deserto, secos e infinitamente distraídos pelas nossas ansiedades e perdas. Uma vazia desolação invade-nos até onde podemos sentir em todas as direções. O melhor, pensamos nós, é fazer qualquer coisa de útil ou autogratificante. A solidão não é o espaço aberto no qual nos sentimos ligados a um todo maior, mas sim o estar só, um aperto, um sentimento de abandono ou de termos sido esquecidos. O espectro da aflição assombra a nossa alma.
Então, a partir de um ponto interior, sem localização, um invisível raio de luz toca-nos e recupera a nossa alma enrugada para a vida e a esperança. Não é que todos os nossos desejos estejam cumpridos; de facto, pode ser que nenhum deles o esteja, e a dor ou a perda podem ainda estar demasiado presente. Mas emerge uma alegria que abre caminho para a fonte do ser, o nosso ser.
Espero que de algum modo, para todos os nossos amigos italianos, que se sentem enclausurados por forças externas, um pouco de paz desta liberdade interior, possa pelo menos ocasionalmente surgir. Esperamos que o tempo de paralisação e quarentena seja curto. Esperamos isto por vós e porque o resto de nós precisa das coisas belas – do vosso temperamento e do vosso país – que nos fazem amar-vos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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