Sábado da Quarta Semana
Um bom amigo pode dar-lhe consolo e uma palavra reconfortante quando você se sente desesperado, mas um amigo verdadeiro jamais lhe dará uma falsa esperança. Políticos que querem ser reeleitos, pais que apenas querem que gostem deles, patrões que querem evitar confrontação podem decidir por enganar os que olham para eles em busca de liderança, atirando-lhes restos de ilusões. É como atirar algo que já não queremos para um gato que fica entusiasmado mas depois de o cheirar, põe o nariz no ar e olha para nós com desgosto.
Simone Weil nunca foi evasiva nas palavras e, assim, muita gente acha que a sua percepção das coisas é demasiado concentrada. Ela uma vez disse: “toda a consolação é engano”. Julgo que ela queria dizer falsa consolação e falsa esperança, as quais vêm do “pai das mentiras” e não do fundamento do ser.
“O vírus é uma notícia falsa; voltaremos à normalidade na Páscoa. Os negócios irão prosperar muito em breve.”
“Claro que, a meditação não precisa de disciplina. Medite quando lhe apetecer”.
“É tudo culpa deles, obviamente. Responsabilize-os”.
“Você não precisa de sofrer. Viva como se nunca fosse morrer”.
Numa forma ou noutra, de legisladores, pregadores ou gurus de estilos de vida, estamos sempre a engolir mentiras. Passado um tempo, precisamos de mentiras maiores. Quando as falsas esperanças não se realizam, precisamos de outras ainda mais ultrajantes para acreditarmos nelas. Mas à medida que a fasquia fica mais alta mais forte se torna o vício e a negação da realidade. Não estou a dizer que devíamos estar gratos ao vírus ou pelo sofrimento em geral, mas deveríamos reconhecer que ele nos pode ensinar a ver a realidade mais claramente e a mudar os padrões de auto-engano que permitem que outros sem escrúpulos nos enganem.
Os Padres do Deserto entenderam a acedia como uma das principais obstruções ao desenvolvimento humano. Ela significa desânimo que conduz à negatividade e ao cinismo, a rejeição de tudo o que não nos dê o que queremos. Ela nega que tenhamos de atravessar túneis antes de sairmos para a luz. Ela distorce a nossa percepção da verdade e diz mentiras que queremos ouvir, porque já as ouvimos tantas vezes antes. Elas têm apenas a virtude de serem familiares, tendo sido reproduzidas a partir dos nossos arquivos internos provavelmente durante décadas. A acedia não é culpa nossa.
Se as pessoas sentem isto enquanto estão em isolamento durante o grande encerramento, não precisam de se culpar a si próprias. Acontece o mesmo com o tédio. Não há como fugir-lhe. Mas podemos fazer alguma coisa por esses desgraçados estados de espírito. Podemos reconhecê-los e tentar um remédio diferente dos que usámos até aqui. Quietude em vez de actividade. Silêncio em vez de aumentar o volume. Simplicidade em vez de procurar algo novo. O termo colectivo para esta alternativa abordagem à vida é contemplação. O caminho da contemplação pode parecer estreito comparado com o que fazíamos antes. Mas uma vez experimentado, descobrimos que ele “conduz à vida”.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Um bom amigo pode dar-lhe consolo e uma palavra reconfortante quando você se sente desesperado, mas um amigo verdadeiro jamais lhe dará uma falsa esperança. Políticos que querem ser reeleitos, pais que apenas querem que gostem deles, patrões que querem evitar confrontação podem decidir por enganar os que olham para eles em busca de liderança, atirando-lhes restos de ilusões. É como atirar algo que já não queremos para um gato que fica entusiasmado mas depois de o cheirar, põe o nariz no ar e olha para nós com desgosto.
Simone Weil nunca foi evasiva nas palavras e, assim, muita gente acha que a sua percepção das coisas é demasiado concentrada. Ela uma vez disse: “toda a consolação é engano”. Julgo que ela queria dizer falsa consolação e falsa esperança, as quais vêm do “pai das mentiras” e não do fundamento do ser.
“O vírus é uma notícia falsa; voltaremos à normalidade na Páscoa. Os negócios irão prosperar muito em breve.”
“Claro que, a meditação não precisa de disciplina. Medite quando lhe apetecer”.
“É tudo culpa deles, obviamente. Responsabilize-os”.
“Você não precisa de sofrer. Viva como se nunca fosse morrer”.
Numa forma ou noutra, de legisladores, pregadores ou gurus de estilos de vida, estamos sempre a engolir mentiras. Passado um tempo, precisamos de mentiras maiores. Quando as falsas esperanças não se realizam, precisamos de outras ainda mais ultrajantes para acreditarmos nelas. Mas à medida que a fasquia fica mais alta mais forte se torna o vício e a negação da realidade. Não estou a dizer que devíamos estar gratos ao vírus ou pelo sofrimento em geral, mas deveríamos reconhecer que ele nos pode ensinar a ver a realidade mais claramente e a mudar os padrões de auto-engano que permitem que outros sem escrúpulos nos enganem.
Os Padres do Deserto entenderam a acedia como uma das principais obstruções ao desenvolvimento humano. Ela significa desânimo que conduz à negatividade e ao cinismo, a rejeição de tudo o que não nos dê o que queremos. Ela nega que tenhamos de atravessar túneis antes de sairmos para a luz. Ela distorce a nossa percepção da verdade e diz mentiras que queremos ouvir, porque já as ouvimos tantas vezes antes. Elas têm apenas a virtude de serem familiares, tendo sido reproduzidas a partir dos nossos arquivos internos provavelmente durante décadas. A acedia não é culpa nossa.
Se as pessoas sentem isto enquanto estão em isolamento durante o grande encerramento, não precisam de se culpar a si próprias. Acontece o mesmo com o tédio. Não há como fugir-lhe. Mas podemos fazer alguma coisa por esses desgraçados estados de espírito. Podemos reconhecê-los e tentar um remédio diferente dos que usámos até aqui. Quietude em vez de actividade. Silêncio em vez de aumentar o volume. Simplicidade em vez de procurar algo novo. O termo colectivo para esta alternativa abordagem à vida é contemplação. O caminho da contemplação pode parecer estreito comparado com o que fazíamos antes. Mas uma vez experimentado, descobrimos que ele “conduz à vida”.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal