Segunda-feira da Semana Santa
Aqui em Bonnevaux, tenho uma magnífica vista da janela do meu estúdio. Dá para o lago e para o vale que desce para aquela que designámos por Árvore da Ressurreição. Esta é um velho carvalho onde acendemos o fogo da Páscoa na noite de Sábado Santo, no ano passado, pela primeira vez. Esperamos fazer o mesmo de novo, o mesmo ritual num mundo diferente, daqui a poucos dias. Vou ver se conseguimos pôr uma fotografia desta vista e da árvore na nossa Daily Wisdom (Sabedoria Diária) de hoje.
À medida que o tempo vai aquecendo e as árvores se vão enchendo de verde rapidamente, estou a abrir a janela mais frequentemente, já que é aqui que escrevo. Quando o fazia agora mesmo, vi um dos gatos de Bonnevaux a patrulhar, à procura duma presa. Olhou para mim e emitiu um patético miau, depois retomou a sua busca. No lago os sapos estão a treinar o seu fazer-amor primaveril, com grande ruído e súbitos silêncios. O canto dos pássaros tornou-se mais 3-D. Todos os animais, até a arrepiante centopeia que me assustou quando fui à cozinha a noite passada, são nossos amigos. Necessitamos do seu companheirismo tanto como dos nossos amigos humanos. Talvez passemos a tratar ambos melhor a partir do que estamos a aprender em solitude por estes dias.
Pelo ar mais fresco e mais limpo, depois da redução da poluição, vêm ondas de novos perfumes. O nosso amigo, o mundo natural, é capaz de se partilha a si mesmo connosco e de nos recordar como pertencemos – juntos – a algo maior.
A história do evangelho de hoje abre com um jantar de amigos: Jesus, Marta e Maria. O irmão delas, Lázaro, foi ressuscitado dos mortos. Como acontece com todos os que são levantados, restaurados e ressuscitados, ele foi restaurado para esta mesma vida de companheirismo, sabendo aonde pertencemos, mas de uma nova forma. Ele também está no jantar.
Maria traz para a sala um unguento muito caro, de puro nardo. Esta planta cresce nos Himalaias da China, do Nepal e da Índia. Quando estive em Israel há poucas semanas, deram-me uma pequena bisnaga dele e acabo de voltar a cheirá-lo. Tem uma cor de âmbar e é usado para fazer medicamentos, incenso (no Templo em Jerusalém) e como perfume – três propósito com significados interligados.
Maria usou esta coisa preciosa para ungir os pés de Jesus e secou-Lhos com os cabelos. Os quatro evangelhos contam a história com variações. Em Lucas, por exemplo, a mulher é uma pecadora, o que muitas vezes é tomado como significando uma prostituta. Ungir os pés era um gesto de respeito, embora o detalhe dos cabelos seja diferente e inabitual. Na versão de João Judas, reduzindo o mistério e o ritual ao nível material, queixa-se da extravagância. Jesus defende a mulher, ligando a cena ao dia do Seu sepultamento, que sabemos irá ser por demais breve. Estes diferentes relatos criam uma sensação de incerteza, a impossibilidade da precisão racional: um período de transição que aproxima um clímax e um tempo novo.
A incerteza – tal como a estamos a experienciar agora nesta pandemia – pode também ser ricamente misteriosa e cheia de significado. Se soubermos viver com a incerteza e abertos ao mistério, poderemos cheirar o significado, tal como as pessoas nesta história cheiraram o perfume do nardo que enchia toda a casa.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Aqui em Bonnevaux, tenho uma magnífica vista da janela do meu estúdio. Dá para o lago e para o vale que desce para aquela que designámos por Árvore da Ressurreição. Esta é um velho carvalho onde acendemos o fogo da Páscoa na noite de Sábado Santo, no ano passado, pela primeira vez. Esperamos fazer o mesmo de novo, o mesmo ritual num mundo diferente, daqui a poucos dias. Vou ver se conseguimos pôr uma fotografia desta vista e da árvore na nossa Daily Wisdom (Sabedoria Diária) de hoje.
À medida que o tempo vai aquecendo e as árvores se vão enchendo de verde rapidamente, estou a abrir a janela mais frequentemente, já que é aqui que escrevo. Quando o fazia agora mesmo, vi um dos gatos de Bonnevaux a patrulhar, à procura duma presa. Olhou para mim e emitiu um patético miau, depois retomou a sua busca. No lago os sapos estão a treinar o seu fazer-amor primaveril, com grande ruído e súbitos silêncios. O canto dos pássaros tornou-se mais 3-D. Todos os animais, até a arrepiante centopeia que me assustou quando fui à cozinha a noite passada, são nossos amigos. Necessitamos do seu companheirismo tanto como dos nossos amigos humanos. Talvez passemos a tratar ambos melhor a partir do que estamos a aprender em solitude por estes dias.
Pelo ar mais fresco e mais limpo, depois da redução da poluição, vêm ondas de novos perfumes. O nosso amigo, o mundo natural, é capaz de se partilha a si mesmo connosco e de nos recordar como pertencemos – juntos – a algo maior.
A história do evangelho de hoje abre com um jantar de amigos: Jesus, Marta e Maria. O irmão delas, Lázaro, foi ressuscitado dos mortos. Como acontece com todos os que são levantados, restaurados e ressuscitados, ele foi restaurado para esta mesma vida de companheirismo, sabendo aonde pertencemos, mas de uma nova forma. Ele também está no jantar.
Maria traz para a sala um unguento muito caro, de puro nardo. Esta planta cresce nos Himalaias da China, do Nepal e da Índia. Quando estive em Israel há poucas semanas, deram-me uma pequena bisnaga dele e acabo de voltar a cheirá-lo. Tem uma cor de âmbar e é usado para fazer medicamentos, incenso (no Templo em Jerusalém) e como perfume – três propósito com significados interligados.
Maria usou esta coisa preciosa para ungir os pés de Jesus e secou-Lhos com os cabelos. Os quatro evangelhos contam a história com variações. Em Lucas, por exemplo, a mulher é uma pecadora, o que muitas vezes é tomado como significando uma prostituta. Ungir os pés era um gesto de respeito, embora o detalhe dos cabelos seja diferente e inabitual. Na versão de João Judas, reduzindo o mistério e o ritual ao nível material, queixa-se da extravagância. Jesus defende a mulher, ligando a cena ao dia do Seu sepultamento, que sabemos irá ser por demais breve. Estes diferentes relatos criam uma sensação de incerteza, a impossibilidade da precisão racional: um período de transição que aproxima um clímax e um tempo novo.
A incerteza – tal como a estamos a experienciar agora nesta pandemia – pode também ser ricamente misteriosa e cheia de significado. Se soubermos viver com a incerteza e abertos ao mistério, poderemos cheirar o significado, tal como as pessoas nesta história cheiraram o perfume do nardo que enchia toda a casa.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal