
Quinta-feira da Primeira Semana
O Papa Francisco pediu recentemente às pessoas para jejuarem um dia, em solidariedade com o sofrimento da Ucrânia. Para alguns isso pode ter sido um sinal da impotência que todos sentimos. Jejuar seria então uma versão mais amena da ação dos monges budistas a imolarem-se pelo fogo, durante a guerra do Vietnam. Para outros, teria sido algo de suspeitosamente mágico: sacrifique algo e Deus dará resposta à sua oração.
Eu julgo que isso deverá ser escutado na tradição do ascetismo cristão, sobre o qual a Quaresma nos pede para refletir. O mistério da Encarnação leva-nos a pensar de outro modo sobre a existência humana. Abre-nos à conclusão de que o corpo humano é um templo do espírito. O espírito humano, contudo, não é um “fantasma numa máquina”. Nós somos espíritos encarnados e, além disso, os nossos corpos estão continuamente a ser espiritualizados. Descartes e muitos dos seus seguidores dualistas, que pensam que a consciência é o cérebro, não percebem a maravilha da percepção da consciência unificada implícita na fé cristã.
O ascetismo (literalmente significa “exercício” ou “treino”) na tradição monástica não tem a ver com subjugação ou punição do corpo. Ele assume, em vez disso, o elo indissolúvel entre corpo, mente e espírito. Tratar mal um deles é ofender a todos eles. Há um sinal disso na quase universal indignação contra a invasão russa. Provavelmente, se a maioria dos apoiantes de Putin soubesse o que realmente se passa sentiriam o mesmo. Se tivéssemos um sentimento tão forte quanto este em relação às mudanças climáticas seriamos capazes de atuar com maior rapidez. Talvez a Covid e a crise da Ucrânia sejam anjos negros a recordar-nos a nossa unidade enquanto família humana.
Se o ascetismo não é um sofrimento mágico autoinfligido, então o que é? É uma auto cura. Ele expõe a ideia falsa de que o corpo e a alma estão em guerra entre si e restaura a sua harmonia perdida ou esquecida. O ascetismo é, portanto, um chamamento a acordar para a nossa bela condição humana e para o nosso ilimitado potencial para a vida. Pense como é bonita uma atleta na sua forma física após o treino e como o seu desempenho é maravilhoso e agradável. Andar por um centro comercial ou pelo DutyFree num aeroporto lembra-nos as consequências da perda dessa harmonia e o excesso e desejo insaciável que resulta da falta de consciência da nossa unidade.
O desejo e a fantasia invadem, substituindo secretamente a alegria e o sentido da realidade. Sem que nos apercebamos, a compulsão de desejos imaginários toma conta de nós. Lao Tse disse: “não há pior calamidade do que o desenfreado aumento das necessidades”.
O ascetismo expõe os sentimentos e pensamentos desordenados a que os Padres do Deserto chamavam “paixões”. A sua sabedoria revela-nos a ligação entre ascetismo e tanto a violência como o abuso ambiental. O Padre John simplificou-o ainda mais para uma época complexa, dizendo que a ascese essencial da vida se encontra na prática da meditação.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
O Papa Francisco pediu recentemente às pessoas para jejuarem um dia, em solidariedade com o sofrimento da Ucrânia. Para alguns isso pode ter sido um sinal da impotência que todos sentimos. Jejuar seria então uma versão mais amena da ação dos monges budistas a imolarem-se pelo fogo, durante a guerra do Vietnam. Para outros, teria sido algo de suspeitosamente mágico: sacrifique algo e Deus dará resposta à sua oração.
Eu julgo que isso deverá ser escutado na tradição do ascetismo cristão, sobre o qual a Quaresma nos pede para refletir. O mistério da Encarnação leva-nos a pensar de outro modo sobre a existência humana. Abre-nos à conclusão de que o corpo humano é um templo do espírito. O espírito humano, contudo, não é um “fantasma numa máquina”. Nós somos espíritos encarnados e, além disso, os nossos corpos estão continuamente a ser espiritualizados. Descartes e muitos dos seus seguidores dualistas, que pensam que a consciência é o cérebro, não percebem a maravilha da percepção da consciência unificada implícita na fé cristã.
O ascetismo (literalmente significa “exercício” ou “treino”) na tradição monástica não tem a ver com subjugação ou punição do corpo. Ele assume, em vez disso, o elo indissolúvel entre corpo, mente e espírito. Tratar mal um deles é ofender a todos eles. Há um sinal disso na quase universal indignação contra a invasão russa. Provavelmente, se a maioria dos apoiantes de Putin soubesse o que realmente se passa sentiriam o mesmo. Se tivéssemos um sentimento tão forte quanto este em relação às mudanças climáticas seriamos capazes de atuar com maior rapidez. Talvez a Covid e a crise da Ucrânia sejam anjos negros a recordar-nos a nossa unidade enquanto família humana.
Se o ascetismo não é um sofrimento mágico autoinfligido, então o que é? É uma auto cura. Ele expõe a ideia falsa de que o corpo e a alma estão em guerra entre si e restaura a sua harmonia perdida ou esquecida. O ascetismo é, portanto, um chamamento a acordar para a nossa bela condição humana e para o nosso ilimitado potencial para a vida. Pense como é bonita uma atleta na sua forma física após o treino e como o seu desempenho é maravilhoso e agradável. Andar por um centro comercial ou pelo DutyFree num aeroporto lembra-nos as consequências da perda dessa harmonia e o excesso e desejo insaciável que resulta da falta de consciência da nossa unidade.
O desejo e a fantasia invadem, substituindo secretamente a alegria e o sentido da realidade. Sem que nos apercebamos, a compulsão de desejos imaginários toma conta de nós. Lao Tse disse: “não há pior calamidade do que o desenfreado aumento das necessidades”.
O ascetismo expõe os sentimentos e pensamentos desordenados a que os Padres do Deserto chamavam “paixões”. A sua sabedoria revela-nos a ligação entre ascetismo e tanto a violência como o abuso ambiental. O Padre John simplificou-o ainda mais para uma época complexa, dizendo que a ascese essencial da vida se encontra na prática da meditação.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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