
Segundo Domingo da Quaresma
E estando Ele orando, transfigurou-se a aparência do seu rosto e a sua roupa ficou resplandecente como um clarão. (Lc 9:28)
A festa da Transfiguração é em 6 de Agosto, a data em 1945 em que foi lançada a primeira bomba atómica sobre Hiroxima que provocou uma luz ofuscante: estes são os polos opostos do potencial humano.
Ontem escrevi sobre o poderoso processo do perdão e como devemos estar preparados para nele entrar imediatamente, ao sermos vítimas de injustiça. A alternativa é demasiado horrível: ser sugado por ela e tornarmo-nos iguais à injustiça que sofremos. Ao resistirmos à injustiça, como temos obrigação de fazer, podemos por vezes perder a nossa inocência e cometer nós mesmos injustiças. A fim de prevenir ou moderar esse efeito em cadeia do mal – espelhando aquilo contra o qual estamos a lutar – temos de nos esforçar, heroicamente, e contra todas as eventualidades, por amar os nossos inimigos, ainda que enquanto os combatemos. Estar do lado certo não nos faculta uma carta branca moral.
A “demonização dos hunos” pelos Aliados na Primeira Guerra Mundial, alimentou os horrores das trincheiras e a morte de dez milhões de soldados e dez milhões de civis. A demonização do Dalai Lama pela China, tão absurda e enganadora como a justificação de Putin para atacar a Ucrânia, justifica a violação e a poluição do Tibete. Há anos, fui ao cinema para ver o filme do “Senhor dos Anéis”. Nas cenas digitalizadas das batalhas, hordas de Orcs medonhos avançavam contra os bons rapazes que eram massacrados em grande número para delícia das crianças à minha volta. Isto repetiu-se em várias cenas, até que, finalmente, tive que sair para ir apanhar ar. As séries da Netflix usam maneiras ainda mais tortuosas de agarrar o público, com violência gráfica sádica que tanto choca como vicia o espectador.
Uma mulher russa em França que se opõe à guerra disse-me que estava a ser atacada e rejeitada pelos seus camaradas russos que a chamavam de antipatriótica e também por não-russos que a colocavam no mesmo grupo de todos os russos assumidos como putinistas. Algumas orquestras sinfónicas baniram Tchaikovsky dos seus reportórios.
Nas declarações da resistência ucraniana, não oiço uma denúncia assim tão ampla e racista da Rússia. Sinto que a sua motivação não é o ódio, mas um amor corajoso pela sua terra pátria. No seu sofrimento face à brutalidade avassaladora e surreal, vemos como o amor pelo inimigo e o perdão podem ser revelados. Não é a rendição ou a imitação da Besta, mas uma expressão de amor e fidelidade: manter a nossa atenção no Bem mesmo quando somos flagelados pelo Mal.
É isto que muda o “aspeto” da face humana, transfigurando o ódio na luz de Deus, ainda que em intenso e desamparado sofrimento. Então podemos ver onde está Deus nesses momentos em que a Humanidade se torna desumana. Deus compartilha o sofrimento e Deus é incapaz de ser outra coisa senão Deus. Isto transfigura o próprio sofrimento. É o que Blaise Pascal compreendeu ao dizer que “Jesus estará em agonia até ao fim do mundo”.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
E estando Ele orando, transfigurou-se a aparência do seu rosto e a sua roupa ficou resplandecente como um clarão. (Lc 9:28)
A festa da Transfiguração é em 6 de Agosto, a data em 1945 em que foi lançada a primeira bomba atómica sobre Hiroxima que provocou uma luz ofuscante: estes são os polos opostos do potencial humano.
Ontem escrevi sobre o poderoso processo do perdão e como devemos estar preparados para nele entrar imediatamente, ao sermos vítimas de injustiça. A alternativa é demasiado horrível: ser sugado por ela e tornarmo-nos iguais à injustiça que sofremos. Ao resistirmos à injustiça, como temos obrigação de fazer, podemos por vezes perder a nossa inocência e cometer nós mesmos injustiças. A fim de prevenir ou moderar esse efeito em cadeia do mal – espelhando aquilo contra o qual estamos a lutar – temos de nos esforçar, heroicamente, e contra todas as eventualidades, por amar os nossos inimigos, ainda que enquanto os combatemos. Estar do lado certo não nos faculta uma carta branca moral.
A “demonização dos hunos” pelos Aliados na Primeira Guerra Mundial, alimentou os horrores das trincheiras e a morte de dez milhões de soldados e dez milhões de civis. A demonização do Dalai Lama pela China, tão absurda e enganadora como a justificação de Putin para atacar a Ucrânia, justifica a violação e a poluição do Tibete. Há anos, fui ao cinema para ver o filme do “Senhor dos Anéis”. Nas cenas digitalizadas das batalhas, hordas de Orcs medonhos avançavam contra os bons rapazes que eram massacrados em grande número para delícia das crianças à minha volta. Isto repetiu-se em várias cenas, até que, finalmente, tive que sair para ir apanhar ar. As séries da Netflix usam maneiras ainda mais tortuosas de agarrar o público, com violência gráfica sádica que tanto choca como vicia o espectador.
Uma mulher russa em França que se opõe à guerra disse-me que estava a ser atacada e rejeitada pelos seus camaradas russos que a chamavam de antipatriótica e também por não-russos que a colocavam no mesmo grupo de todos os russos assumidos como putinistas. Algumas orquestras sinfónicas baniram Tchaikovsky dos seus reportórios.
Nas declarações da resistência ucraniana, não oiço uma denúncia assim tão ampla e racista da Rússia. Sinto que a sua motivação não é o ódio, mas um amor corajoso pela sua terra pátria. No seu sofrimento face à brutalidade avassaladora e surreal, vemos como o amor pelo inimigo e o perdão podem ser revelados. Não é a rendição ou a imitação da Besta, mas uma expressão de amor e fidelidade: manter a nossa atenção no Bem mesmo quando somos flagelados pelo Mal.
É isto que muda o “aspeto” da face humana, transfigurando o ódio na luz de Deus, ainda que em intenso e desamparado sofrimento. Então podemos ver onde está Deus nesses momentos em que a Humanidade se torna desumana. Deus compartilha o sofrimento e Deus é incapaz de ser outra coisa senão Deus. Isto transfigura o próprio sofrimento. É o que Blaise Pascal compreendeu ao dizer que “Jesus estará em agonia até ao fim do mundo”.
Laurence
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