
Sexta-feira da Primeira Semana
Se o essencial treino espiritual da vida (ascesis) se encontra na meditação, como acreditava John Main, porque é que isso acontece e como é que funciona?
Deixando de lado a linguagem religiosa para responder a esta questão, ainda é possível ver como a meditação trabalha de modo abrangente através das nossas vidas. Nenhum canto da mente ou do carácter é deixado intocado, eventualmente, pela ascese do mantra. As pessoas podem começar a meditar por motivações muito egocêntricas. Depois, percebem que se trata de uma prática muito mais relacional do que pensavam e que os frutos são mais evidentes nos seus relacionamentos do que imaginavam.
As implicações desta percepção são tremendas para o futuro do mundo – assim como a percepção de que “a meditação cria comunidade”. A meditação importa realmente para além do meditante individual? Faz alguma diferença no desfecho na Ucrânia ou na crise ambiental? Comparada com a arte, enquanto influência no mundo, como é avaliada?
O poeta W.H. Auden disse que “a poesia não faz nada acontecer: sobrevive no vale da sua criação, onde executivos jamais quereriam interferir”. O mundo continua indiferente à poesia maior. Uma vez perguntei a um grande músico se acreditava que a música nos tornava pessoas melhores. Refletiu uns momentos e disse: “talvez… pelo menos durante uma ou duas horas depois de a terem escutado.”
A meditação pode “fazer as coisas acontecerem” ou “fazer-nos melhores pessoas” de maneiras que a poesia ou a arte não podem? Sim, porque a arte de orar é a “arte das artes”. Ela não nos muda apenas. Ela desencadeia um processo de transformação que suave e irresistivelmente desliza em cada ranhura e canto do nosso ser. Essa tão profundamente pessoal e permanente transformação torna-se numa transfiguração. À medida que mudamos, ela muda também o ambiente que habitamos. Nossos relacionamentos, o nosso trabalho, todos os encontros casuais reflectem essa influência do mundo interior no exterior.
Na noite passada, a teóloga Jane Williams deu a primeira conferência da nossa série “Oradores da Noite” sobre mulheres místicas como teólogas. Ela falou com firmeza do preconceito contra as mulheres, que as levou a serem vistas apenas como “descrevendo a sua experiência pessoal”: as mulheres não eram vistas como tendo capacidade de pensar com profundidade. Ilustrou através do trabalho de três grandes místicas como elas eram também pensadoras profundas, dentro da sua tradição teológica. A Dra. Williams falou de como a meditação conduz diretamente ao espaço criado por Deus, onde conhecemos a auto-partilha de Deus. Renunciamos ao pensamento e às imagens, mas intuímos Deus mais do que estamos conscientes no momento. Esta experiência pode ser questionada mais tarde, mas não durante o tempo da própria oração.
Isto sugere como a meditação faz a diferença. Nós não vemos como ela muda as coisas diretamente, mas vemos coisas mudando e sobre as quais é forçoso falar. Isto é verdadeira teologia. Falar sobre isto dissipa a sede que o mundo hoje sente. Num lugar onde não podemos observar, sentimos uma realidade necessária para mudar a mente coletiva humana. Isso restaura o senso comum de realidade e de unidade que, tragicamente, perdemos.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
Se o essencial treino espiritual da vida (ascesis) se encontra na meditação, como acreditava John Main, porque é que isso acontece e como é que funciona?
Deixando de lado a linguagem religiosa para responder a esta questão, ainda é possível ver como a meditação trabalha de modo abrangente através das nossas vidas. Nenhum canto da mente ou do carácter é deixado intocado, eventualmente, pela ascese do mantra. As pessoas podem começar a meditar por motivações muito egocêntricas. Depois, percebem que se trata de uma prática muito mais relacional do que pensavam e que os frutos são mais evidentes nos seus relacionamentos do que imaginavam.
As implicações desta percepção são tremendas para o futuro do mundo – assim como a percepção de que “a meditação cria comunidade”. A meditação importa realmente para além do meditante individual? Faz alguma diferença no desfecho na Ucrânia ou na crise ambiental? Comparada com a arte, enquanto influência no mundo, como é avaliada?
O poeta W.H. Auden disse que “a poesia não faz nada acontecer: sobrevive no vale da sua criação, onde executivos jamais quereriam interferir”. O mundo continua indiferente à poesia maior. Uma vez perguntei a um grande músico se acreditava que a música nos tornava pessoas melhores. Refletiu uns momentos e disse: “talvez… pelo menos durante uma ou duas horas depois de a terem escutado.”
A meditação pode “fazer as coisas acontecerem” ou “fazer-nos melhores pessoas” de maneiras que a poesia ou a arte não podem? Sim, porque a arte de orar é a “arte das artes”. Ela não nos muda apenas. Ela desencadeia um processo de transformação que suave e irresistivelmente desliza em cada ranhura e canto do nosso ser. Essa tão profundamente pessoal e permanente transformação torna-se numa transfiguração. À medida que mudamos, ela muda também o ambiente que habitamos. Nossos relacionamentos, o nosso trabalho, todos os encontros casuais reflectem essa influência do mundo interior no exterior.
Na noite passada, a teóloga Jane Williams deu a primeira conferência da nossa série “Oradores da Noite” sobre mulheres místicas como teólogas. Ela falou com firmeza do preconceito contra as mulheres, que as levou a serem vistas apenas como “descrevendo a sua experiência pessoal”: as mulheres não eram vistas como tendo capacidade de pensar com profundidade. Ilustrou através do trabalho de três grandes místicas como elas eram também pensadoras profundas, dentro da sua tradição teológica. A Dra. Williams falou de como a meditação conduz diretamente ao espaço criado por Deus, onde conhecemos a auto-partilha de Deus. Renunciamos ao pensamento e às imagens, mas intuímos Deus mais do que estamos conscientes no momento. Esta experiência pode ser questionada mais tarde, mas não durante o tempo da própria oração.
Isto sugere como a meditação faz a diferença. Nós não vemos como ela muda as coisas diretamente, mas vemos coisas mudando e sobre as quais é forçoso falar. Isto é verdadeira teologia. Falar sobre isto dissipa a sede que o mundo hoje sente. Num lugar onde não podemos observar, sentimos uma realidade necessária para mudar a mente coletiva humana. Isso restaura o senso comum de realidade e de unidade que, tragicamente, perdemos.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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