
Quarta-feira de Cinzas
Hoje, muitos de nós verão as suas testas marcadas com cinzas – os restos queimados dos ramos de Domingo de Ramos do ano passado – do mesmo modo que muitas figuras bíblicas, em momentos de luto ou de crise, “cobriam a cabeça de cinzas”. Para as crianças, é um acto divertido e sagrado, ao mesmo tempo que descobrem novos simbolismos e enriquecem o vocabulário da sua vida espiritual. Para os cristãos mais velhos, é um ritual familiar que os faz sentir, de forma um pouco mais aguda a cada ano, a recordação da sua mortalidade: “Lembra-te, homem, que és pó e que ao pó hás-de tornar”. Para a maioria das pessoas, no nosso mundo secularizado, é apenas mais um resquício incompreensível dum mundo religioso arcaico.
De uma forma ou de outra, gostamos de marcar as ocasiões e as épocas especiais. É claro que elas são criação humana (a Quaresma só começou a ser observada no séc. IV). Mas se o nosso ano não for mais do que uma paisagem desolada de dias da semana, fins-de-semana, viagens de trabalho e férias, a sua bidimensionalidade, rapidamente, nos faz suspirar por esse “algo mais” que constitui esse sentido religioso estruturalmente impresso em nós. Muitos de nós passamos sem a religião, mas não conseguimos escapar a este desejo. E, uma vez sentido o desejo, ele procura expressar-se.
Portanto, desfrutem das cinzas. Lembro-me de que, em criança, costumávamos sentir-nos orgulhosos e especiais por mostrarmos as cinzas ostensivamente na rua ou no metro. Olhávamos à nossa volta, à procura de outras pessoas com a mesma marca, e sentíamo-nos como se fôssemos membros dum clube secreto ou, pelo menos, exclusivo. Durante a celebração, tínhamos escutado as palavras de Jesus sobre o jejum (tomar apenas uma refeição faz igualmente parte das exigências de Quarta-feira de Cinzas): “Quando jejuardes, ungi a cabeça e lavai o rosto para que os outros não notem o vosso jejum, mas apenas o vosso Pai que está oculto”. (Mt 6:16) Porém, em criança, aprendendo a religião enquanto brincava dentro dela, fazia-nos sentir bem gabar-nos do nosso ascetismo. Fazia-nos sentir diferentes e talvez até um pouco melhores.
A Quaresma é uma oportunidade cujo significado temos que reconhecer antes de ela poder provar a sua utilidade para nós. Obviamente, isso não significa chamar a atenção para nós mesmos. Tal como o treino dum atleta não é feito para doer, a Quaresma não supõe dores ou dificuldades auto-infligidas. A Quaresma consiste na melhoria da nossa condição e agilidade espiritual, alcançada através de medidas escolhidas de moderação e de autolimitação e, com um pouco de inovação, consiste em empurrar-nos mais para o reino da consciência.
Se ainda não decidiu o que “fazer para a Quaresma”, pode considerar fazer uma prática com três vertentes: 1) renunciar ou reduzir algum tipo de consumo, seja de comida, de bebida ou de hábitos digitais; 2) melhorar a sua prática de meditação matinal e de fim de dia ou adicionar uma pausa a meio do dia; 3) comprometer-se com um melhor ritmo de vida e substituir uma distracção desnecessária (a maior parte de nós tem várias) por uma actividade criativa e refrescante, seja física, de leitura ou musical.
O “segredo” que Jesus aconselha desafia a nossa cultura de auto-revelação (denunciada pelo nosso culto da privacidade e das senhas de acesso). Ele não se refere, realmente, ao segredo, mas à interioridade e ao respeito pelo facto de que a maior parte dos frutos da Quaresma que se aproxima serem sentidos a partir de dentro. Que ela possa ser feliz e até mesmo divertida.
Com amor
Laurence
Comunidade Mundial de Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Hoje, muitos de nós verão as suas testas marcadas com cinzas – os restos queimados dos ramos de Domingo de Ramos do ano passado – do mesmo modo que muitas figuras bíblicas, em momentos de luto ou de crise, “cobriam a cabeça de cinzas”. Para as crianças, é um acto divertido e sagrado, ao mesmo tempo que descobrem novos simbolismos e enriquecem o vocabulário da sua vida espiritual. Para os cristãos mais velhos, é um ritual familiar que os faz sentir, de forma um pouco mais aguda a cada ano, a recordação da sua mortalidade: “Lembra-te, homem, que és pó e que ao pó hás-de tornar”. Para a maioria das pessoas, no nosso mundo secularizado, é apenas mais um resquício incompreensível dum mundo religioso arcaico.
De uma forma ou de outra, gostamos de marcar as ocasiões e as épocas especiais. É claro que elas são criação humana (a Quaresma só começou a ser observada no séc. IV). Mas se o nosso ano não for mais do que uma paisagem desolada de dias da semana, fins-de-semana, viagens de trabalho e férias, a sua bidimensionalidade, rapidamente, nos faz suspirar por esse “algo mais” que constitui esse sentido religioso estruturalmente impresso em nós. Muitos de nós passamos sem a religião, mas não conseguimos escapar a este desejo. E, uma vez sentido o desejo, ele procura expressar-se.
Portanto, desfrutem das cinzas. Lembro-me de que, em criança, costumávamos sentir-nos orgulhosos e especiais por mostrarmos as cinzas ostensivamente na rua ou no metro. Olhávamos à nossa volta, à procura de outras pessoas com a mesma marca, e sentíamo-nos como se fôssemos membros dum clube secreto ou, pelo menos, exclusivo. Durante a celebração, tínhamos escutado as palavras de Jesus sobre o jejum (tomar apenas uma refeição faz igualmente parte das exigências de Quarta-feira de Cinzas): “Quando jejuardes, ungi a cabeça e lavai o rosto para que os outros não notem o vosso jejum, mas apenas o vosso Pai que está oculto”. (Mt 6:16) Porém, em criança, aprendendo a religião enquanto brincava dentro dela, fazia-nos sentir bem gabar-nos do nosso ascetismo. Fazia-nos sentir diferentes e talvez até um pouco melhores.
A Quaresma é uma oportunidade cujo significado temos que reconhecer antes de ela poder provar a sua utilidade para nós. Obviamente, isso não significa chamar a atenção para nós mesmos. Tal como o treino dum atleta não é feito para doer, a Quaresma não supõe dores ou dificuldades auto-infligidas. A Quaresma consiste na melhoria da nossa condição e agilidade espiritual, alcançada através de medidas escolhidas de moderação e de autolimitação e, com um pouco de inovação, consiste em empurrar-nos mais para o reino da consciência.
Se ainda não decidiu o que “fazer para a Quaresma”, pode considerar fazer uma prática com três vertentes: 1) renunciar ou reduzir algum tipo de consumo, seja de comida, de bebida ou de hábitos digitais; 2) melhorar a sua prática de meditação matinal e de fim de dia ou adicionar uma pausa a meio do dia; 3) comprometer-se com um melhor ritmo de vida e substituir uma distracção desnecessária (a maior parte de nós tem várias) por uma actividade criativa e refrescante, seja física, de leitura ou musical.
O “segredo” que Jesus aconselha desafia a nossa cultura de auto-revelação (denunciada pelo nosso culto da privacidade e das senhas de acesso). Ele não se refere, realmente, ao segredo, mas à interioridade e ao respeito pelo facto de que a maior parte dos frutos da Quaresma que se aproxima serem sentidos a partir de dentro. Que ela possa ser feliz e até mesmo divertida.
Com amor
Laurence
Comunidade Mundial de Meditação Cristã - Portugal
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