
Quarta-feira da Primeira Semana
Se pudéssemos ver e compreender como a ilusão começa, teríamos uma grande vantagem na campanha para a realidade. É, de algumas formas, como uma campanha eleitoral, um longo processo de persuasão, com altos e baixos nas sondagens, muitos argumentos enganadores e alguns truques sujos; por fim, o nosso último encontro com a mortalidade é o dia da eleição, quando caem as fichas e nós somos aquilo em que nos tornámos.
Diádoco de Fotice foi um monge grego do séc. V que se sentou, por tempo suficiente, no labor do silêncio e que vigiou, também, a sua mente na vida quotidiana, por tempo suficiente, para ver como surge a ilusão. Por muito diferentes que sejam as nossas condições de vida, hoje em dia, e a forma como elas dão forma à consciência moderna, a mente, em si mesma, continua a funcionar basicamente da mesma maneira. Ele fala-nos. A sua grande obra é chamada Sobre o Conhecimento Espiritual e a Discriminação: Cem Textos. Os textos são curtos parágrafos, percepções profundas de sabedoria destiladas em pedras preciosas de verdade, que precisam ser saboreadas através de muitas releituras. (Não lemos um livro; nós o relemos). A cada leitura, o sabor, o prazer e o valor nutritivo tornam-se mais fortes. Diádoco começa por afirmar a irredutível bondade da realidade, incluindo o reino humano, porque Deus nada faz que não seja bom. Então, o que é que corre mal? Porque não é tudo sempre bom? Onde é que a serpente se introduz no Jardim do Éden?
Através da porta lateral da fantasia.
Quando, no desejo do seu coração, alguém concebe e dá forma ao que, na realidade, não tem existência, então o que deseja começa a existir. (3)
Começa com o desejo. E o desejo surge da consciência de que algo falta, no infindável anseio humano por algo mais. Isto é um dom porque permite que ocorra a evolução e a mudança, o crescimento da consciência, mas tem um perigo concomitante. Por muito bem amados e educados que tenhamos sido, ainda sentimos que há mais alguma coisa de que necessitamos. Imagine quanto mais complexas são as nossas necessidades e os desejos que geram se formos expulsos da nossa casa em Aleppo, abusados na nossa longa caminhada para oeste, rejeitados como escória nas fronteiras onde chegamos, para implorar por uma casa em paz e por um novo começo, e a esperança se transforma em desespero à medida que a ilusão é desfeita. O desejo está sempre ligado à necessidade. No melhor dos cenários, o desejo reflete a necessidade. Não desejamos o que não pensamos precisar, mas, muitas vezes, desejamos o que é impossível atingir.
A imaginação torna a necessidade conhecida da mente consciente. Formamos uma imagem que perseguimos como um desejo, uma esperança, uma ambição ou uma meta. Santo Agostinho pensava que a viagem espiritual tem tudo a ver com desejo. S. João da Cruz pensava que necessitamos de abrir mão de todo o desejo, mesmo do desejo de Deus. Ambos têm razão, dependendo da forma como entendemos o desejo em relação à necessidade e à fantasia.
A imaginação está amarrada ao desejo. Para o bem, se o desejo estiver diretamente ligado ao que necessitamos. Para o mal, se foge do controlo e desenvolve uma vida virtual própria. Isto acontece facilmente onde há uma dor severa e especialmente quando sofremos sozinhos, sem o ministério do amor humano para consolar a nossa solidão. A fantasia surge nas masmorras do sofrimento solitário. Ela difere da imaginação criativa porque o que ela “vê” não é um potencial real que se pode fazer acontecer. Em vez disso, ela experiencia uma gravidez fantasma. Os sintomas estão lá, mas a nova vida não.
A oração é necessária. Ela existe, não para dizer a Deus o quão divino Ele é, nem para nos dar um palco onde dramatizar os nossos desejos. Ela existe para nos ajudar a ver esta distinção vital entre a necessidade e o desejo, a realidade e a ilusão. Da clareza dessa visão depende a nossa vida.
Com amor,
Laurence