
Quarta-feira da Quinta Semana
à medida que nos aproximamos da Semana Santa, preciso de tirar algo do peito. É o meu problema com a religião, as palavras religiosas, rituais, simbolismo, crença. Desde a infância, estas coisas têm sido bastante preciosas para mim e frequentemente uma fonte de profundo enriquecimento. Têm sido, e continuam a ser, pontes desde a superfície das coisas e para mais profundos os níveis da realidade. Para mim, têm sido uma forma de evitar esse horror mundano de viver à superfície, como se fosse uma pedrinha a deslizar sobre as ondas antes de se afundar como – bem, como uma pedra. Sinto uma afinidade natural com a linguagem da religião. Uma vida ou uma mundivisão que a exclua parece-me muito incompleta. As tentativas de regimes totalitários no séc. XX de erradicar a religião fracassaram, tal como aconteceria com tentativas de banir a música, a arte ou (como queria fazer Platão, no seu mundo ideal) a poesia. De qualquer modo, devemos denunciar e evitar a má religião, que é tão possível como a má música ou a má arte. Não vamos abordar aqui o modo como devemos decidir o que significa bom ou mau. A maioria das pessoas concordaria que o evangelismo da TV americana, que explora os pobres e promete favores de Deus em troca de donativos para manter o estilo de vida luxuoso dos pastores evangelistas é um exemplo de má religião. Ou uma religião que desrespeita as outras religiões.
No entanto, a Quaresma parece-me de alguma maneira uma pausa refrescante face à religiosidade, uma redução da dosagem. A ênfase é posta no deserto em vez de na igreja, no silêncio em vez de nas palavras, na quietude em vez de no ritual. A vida do monge, como eu referi citado S. Bento há algumas semanas, é uma perpétua Quaresma. Interpreto-a neste sentido, não andar simplesmente na corda bamba da moderação, mas não permitir que a religião saia da proporção. Por exemplo, S. Bento (que não era um padre) disse que as ferramentas de trabalho do mosteiro deviam ser tratadas com a mesma reverência que o cálice e a patena do altar. A religião não deve ser sequestrada, isolada da vida comum. O sagrado e o profano têm que se misturar numa religião centrada na Encarnação e humanidade de Deus.
Isto não quer dizer que os monges do deserto ou que S. Bento fossem Quakers (pequena denominação cristã, igualitária e pacifista, cujo culto exclui a Eucaristia e que não pratica igualmente o Batismo - NT). Uma vida sem a Eucaristia, para mim, seria como andar no deserto da vida sem o maná. Mas trata-se dum sacramento, não de magia, um sinal duma realidade cuja fonte está dentro de nós, não uma maneira de manipular as coisas, ou uma atividade compulsiva. É por isso que uma experiência contemplativa, como a que é despertada pela meditação quotidiana, embora vista como ameaçadora por algumas pessoas pias, de facto ajuda aqueles que são afastados pela religiosidade da Igreja a restabelecer a ligação com a sua vida e linguagem simbólica de uma nova forma. Não é preciso sermos religiosos para a meditação nos conduzir à experiência de contemplação. Não se pode dizer que a meditação irá fazer de nós religiosos, no sentido convencional de nos tornarmos pessoas que vão regularmente à igreja; mas irá revelar a verdadeira natureza e significado da religião.
S. Tomás de Aquino disse que “a Criação é a primeira e a mais perfeita revelação do Divino”. Estar em comunhão com a natureza é portanto uma forma de adoração. A Criação, o mundo belo, é a igreja essencial. Encontrei esta citação de S. Tomás de Aquino num livro de que gostaria de vos falar amanhã. Não é um livro de leituras quaresmais, apresso-me a acrescentar, mas, mesmo assim, é um bom livro para a Quaresma.
à medida que nos aproximamos da Semana Santa, preciso de tirar algo do peito. É o meu problema com a religião, as palavras religiosas, rituais, simbolismo, crença. Desde a infância, estas coisas têm sido bastante preciosas para mim e frequentemente uma fonte de profundo enriquecimento. Têm sido, e continuam a ser, pontes desde a superfície das coisas e para mais profundos os níveis da realidade. Para mim, têm sido uma forma de evitar esse horror mundano de viver à superfície, como se fosse uma pedrinha a deslizar sobre as ondas antes de se afundar como – bem, como uma pedra. Sinto uma afinidade natural com a linguagem da religião. Uma vida ou uma mundivisão que a exclua parece-me muito incompleta. As tentativas de regimes totalitários no séc. XX de erradicar a religião fracassaram, tal como aconteceria com tentativas de banir a música, a arte ou (como queria fazer Platão, no seu mundo ideal) a poesia. De qualquer modo, devemos denunciar e evitar a má religião, que é tão possível como a má música ou a má arte. Não vamos abordar aqui o modo como devemos decidir o que significa bom ou mau. A maioria das pessoas concordaria que o evangelismo da TV americana, que explora os pobres e promete favores de Deus em troca de donativos para manter o estilo de vida luxuoso dos pastores evangelistas é um exemplo de má religião. Ou uma religião que desrespeita as outras religiões.
No entanto, a Quaresma parece-me de alguma maneira uma pausa refrescante face à religiosidade, uma redução da dosagem. A ênfase é posta no deserto em vez de na igreja, no silêncio em vez de nas palavras, na quietude em vez de no ritual. A vida do monge, como eu referi citado S. Bento há algumas semanas, é uma perpétua Quaresma. Interpreto-a neste sentido, não andar simplesmente na corda bamba da moderação, mas não permitir que a religião saia da proporção. Por exemplo, S. Bento (que não era um padre) disse que as ferramentas de trabalho do mosteiro deviam ser tratadas com a mesma reverência que o cálice e a patena do altar. A religião não deve ser sequestrada, isolada da vida comum. O sagrado e o profano têm que se misturar numa religião centrada na Encarnação e humanidade de Deus.
Isto não quer dizer que os monges do deserto ou que S. Bento fossem Quakers (pequena denominação cristã, igualitária e pacifista, cujo culto exclui a Eucaristia e que não pratica igualmente o Batismo - NT). Uma vida sem a Eucaristia, para mim, seria como andar no deserto da vida sem o maná. Mas trata-se dum sacramento, não de magia, um sinal duma realidade cuja fonte está dentro de nós, não uma maneira de manipular as coisas, ou uma atividade compulsiva. É por isso que uma experiência contemplativa, como a que é despertada pela meditação quotidiana, embora vista como ameaçadora por algumas pessoas pias, de facto ajuda aqueles que são afastados pela religiosidade da Igreja a restabelecer a ligação com a sua vida e linguagem simbólica de uma nova forma. Não é preciso sermos religiosos para a meditação nos conduzir à experiência de contemplação. Não se pode dizer que a meditação irá fazer de nós religiosos, no sentido convencional de nos tornarmos pessoas que vão regularmente à igreja; mas irá revelar a verdadeira natureza e significado da religião.
S. Tomás de Aquino disse que “a Criação é a primeira e a mais perfeita revelação do Divino”. Estar em comunhão com a natureza é portanto uma forma de adoração. A Criação, o mundo belo, é a igreja essencial. Encontrei esta citação de S. Tomás de Aquino num livro de que gostaria de vos falar amanhã. Não é um livro de leituras quaresmais, apresso-me a acrescentar, mas, mesmo assim, é um bom livro para a Quaresma.