
Segunda-feira da Primeira Semana da Quaresma
Eu gostaria de explorar nesta primeira semana da Quaresma o modo como nós, tal como Jesus, depois dos Seus quarenta dias, conseguimos distinguir melhor a ilusão da realidade. Mas, primeiro, olhemos o meio para o fazer, aquilo a que os budistas chamam o “meio competente” e que tem o mesmo significado daquilo a que, há muito, os cristãos chamam ascesis.
“Ascetismo” faz lembrar “austeridade”. Mas, quando se encontra um verdadeiro asceta, é como se encontrássemos um atleta bem treinado, no pico da sua forma e que adora a sua disciplina de exercício livremente escolhida e o respetivo estilo de vida. Irradiam alegria e bem-estar e fazem-nos sentir levemente invejosos na nossa moleza, ao mesmo tempo que, oxalá, nos motivam para saltar do sofá e começar a viver. Os meios do asceta são o jejum, a esmola e a oração.
Como é que podemos compreender estes meios hoje em dia? Jejuar implica uma renúncia voluntária, um dizer “não” ou um “ainda não” aos nossos desejos naturais ou habituais. Este, tal como os outros dois pilares da vida espiritual que o acompanham, é um princípio abstrato, um ideal, um valor. Precisa de ser associado com uma prática para se corporizar e ser real. Só podermos verdadeiramente viver como seres encarnados. Os seres humanos não conseguem ser demasiado abstratos por muito tempo sem implodir. Porém, da minha carne verei Deus, disse o pobre Job depois das suas tribulações. (Jb 19:26) O jejum é necessário à saúde espiritual. Então, de que é que vamos abdicar?
Dar esmola consiste em abrir mão. Aquilo de que abrimos mão pode ser dinheiro, tempo, a atenção que retiramos de nós mesmos e pomos incondicionalmente noutra pessoa. Não é apenas o quanto e quantas vezes. Para o meditante, a atenção é, obviamente, a chave deste pilar da vida espiritual. Simone Weil dizia que a atenção é a forma mais rara e elevada de generosidade. A qualidade da atenção altruísta prova a sinceridade daquilo que damos e de que verdadeiramente abrimos mão. De que é que estamos a abrir mão?
A oração assume muitas formas, mas baseia-se essencialmente na atenção pura. O seu efeito é o de fazer-nos sentir – por muito distraídos que estejamos, por muito tempo ou por muito longe que tenhamos vagueado, por muito separados que nos sintamos relativamente à nossa base – que regressámos a casa, aliviados, talvez surpreendidos, deparando com umas boas-vindas calorosas e amorosas. Sentar-se para meditar é voltar para casa. Esta oração pura – que purifica radicalmente a imaginação e a fantasia, afrouxa a pressão do desejo e do medo e nos simplifica de modo a sermos capazes de aceitar uma consolação autêntica, não falsa – baseia-se, simplesmente, em voltar para casa.
Uma casa é um centro, emocionalmente e espiritualmente. É o ponto de referência de significado para qualquer outro lugar no mapa para onde possamos ir. Se viermos para casa e encontrarmos um terreno vazio, o nosso controlo sobre a realidade sofre uma explosão. Temos que começar de novo, do princípio. Mas se existir, essencialmente, um centro de toda a realidade, se a realidade for essencialmente simples e plena, então esse centro está em todo o lado. Descobrimo-lo, primeiro, encontrando o nosso próprio centro, entrando naquilo que Jesus designa por “quarto interior”, onde somos abraçados por essa presença que tudo abraça e tudo preenche.
É uma bela ideia. Mas, tal como os outros pilares da vida espiritual, enquanto meios de nos tornarmos livres da ilusão e livres para sermos reais, a oração requer uma prática: para quem já medita, uma renovação do compromisso e um refrescamento da motivação; para o meditante que está a começar, a coragem para o começo.
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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