
Terça-feira da Segunda Semana
O progresso é uma interessante ilusão que a Quaresma nos convida a revisitar. A esperança de que tenhamos realmente aprendido uma lição com a vida ou tenhamos alcançado um objetivo há longo tempo procurado é muito sedutora. Tendemos a assumir que, assim que as coisas mudam à superfície, a mesma mudança ocorreu por completo de cima a baixo. E, então, ficamos surpreendidos e desapontados quando descobrimos que não foi esse o caso. Os velhos padrões muitas vezes regressam, algumas vezes trazendo uma vingança.
Depois de longos períodos de perseguição, a Igreja Cristã, no séc. IV, deve ter sentido que Deus a tinha deixado ganhar a lotaria quando o Imperador de Roma anunciou a sua conversão. Constantino via o deus cristão como um poderoso aliado nas suas políticas doméstica e militar. Não tinha qualquer interesse espiritual nesta sua nova fé. Mas pareceu, às pequenas, dispersas e marginalizadas congregações cristãs do império, que o grande exorcismo da Cruz se tinha, por fim, espalhado pelos mais altos reinos do poder. À medida que as igrejas aumentavam em número, a sua fé se diluía. Em breve, sempre que possível, os lideres cristãos usavam a sua boa maré para destruir os templos e cortar a cabeça e as pernas das suas estátuas dos velhos deuses, com toda a intolerância dos Taliban de hoje ou dos Reformadores Puritanos do séc. XVI. Não martirizaram os pagãos porque eram ainda numerosos e estavam bastante dispersos, mas os líderes cristãos ridicularizavam as suas crenças e ilegalizaram os seus rituais. Não somos lá muito agradáveis quando temos tanta certeza de que temos razão e ainda menos quando pensamos que vencemos.
Esta maré de arrogância e de desrespeito, porém, também desencadeou um tipo diferente de Cristianismo, exemplificado pelo movimento monástico do Deserto. Aqui, os cristãos vinham para viver o mistério de Cristo na mais profunda e mais humilde forma pessoal. Mesmo no seu leito de morte, os velhos mestres do Deserto lembravam aos seus discípulos que a batalha interior com os nossos próprios demónios e especialmente com o demónio do orgulho e do autoengano era o que importava. E essa luta continuou, para todos nós, até ao fim. Até Jesus teve que lutar com o demónio do medo na Sua última noite.
A Quaresma torna-nos humildade desta maneira. É mais eficaz quando o que nos dá essa humildade é algo pequeno e trivial. Basta um súbito desejo por algo de que tenhamos abdicado, o surgimento dum apego que tínhamos largado ontem ou uma luta para conseguir estar sentado durante toda a meditação do fim da tarde para que aterremos com um solavanco. À medida que as ilusões que nós próprios urdimos e com as quais nos vestimos se vão desemaranhando, ficamos embaraçados ao descobrir que estamos nus e que não parecemos tão bem nus como quando estamos todos aperaltados. Vemos que o progresso não dura para sempre nem é tão linear como pensávamos. Talvez o real progresso esteja em descobrirmos isto mesmo.
Com amor,
Laurence
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal