
Terça-feira da Terceira Semana
Não conseguiremos conhecer Deus sem nos conhecermos a nós mesmos. Caso contrário, Deus seria apenas o resultado bem-sucedido duma experiência científica que estaríamos a conduzir, não o que Deus significa como fonte, terreno e meta da própria existência.
O estranho é que o caminho do autoconhecimento nos leva (como vimos na primeira semana) a atravessar os vales da morte. Estes são as dolorosas des-ilusões do nosso amadurecimento. Como é que podemos chegar a nos conhecermos a nós mesmos sem, por vezes, ficar envergonhados e feridos pela descoberta de que não somos o que nós (ou outros) pensávamos que éramos? O resultado deste doloroso desvelar dos níveis mais profundos do nosso “eu” é sempre bom, a longo prazo. Mas, porque o autoconhecimento envolve sofrimento, muitas vezes, resistimos-lhe, negamo-lo ou fugimos dele, talvez durante décadas. Um exemplo típico é um viciado chegar ao reconhecimento e, humildemente, admitir o seu problema. Mas isto pode também acontecer a um aclamado filantropo que lentamente compreende que ajuda os outros principalmente por causa da boa imagem de si próprio que isso lhe dá.
Uma razão pela qual o autoconhecimento é difícil é que ele expõe os conflitos profundos e, muitas vezes, profundamente enterrados no nosso interior. Perder o comboio da Quaresma (tal como quebrar as nossas resoluções de Ano Novo) atinge esta exposição duma divisão no interior da nossa vontade. Se o que eu sou é o que eu quero, o que é que acontece se eu tiver que admitir que quero coisas diferentes, simultaneamente e irreconciliáveis? Uma esposa e uma amante. Vida familiar e grandes viagens de negócios. Bolo de chocolate e uma cintura delgada. Deus e o dinheiro. O Netflix e a meditação à tardinha.
Para o ego bem construído (uma pessoa “bem-sucedida” ou popular habitualmente tê-lo-á construído), esta descoberta do “eu” dividido pode ser devastadora. A erupção interior, que pôs S. Paulo fora de actividade durante um par de anos, transformou-o de perseguidor em vítima, vendo de seguida uma glória transcendente que transformou a vitimização na mais elevada dignidade e humildade humana. Mesmo depois de começar a sua nova vida, de se tornar um mestre nela e de ter tocado as alturas místicas, sofreu com um conflito visceral de desejos. O que ele queria, ele não queria. O que não queria, ele queria.
Para ele, este rude despertar destroçou o seu “ego” seguro de estar certo e ajudou-o a ver que as regras e o legalismo nunca irão conduzir ao autoconhecimento, ao conhecimento de Deus ou à liberdade da nova vida. Por estranho que pareça, é, muitas vezes, ao quebrar uma regra – pelo menos para os que estão seguros de estarem certos ou para os dilacerados pela culpa – que o propósito da regra é revelado. Talvez seja por isso que a sabedoria de S. Bento seja construída em torno duma Regra que está tão cheia de excepções.
Como iremos cantar no Sábado de Aleluia, “O felix culpa!” Um feliz erro de Adão. Ou, como a Madre Juliana de Norwich correu o risco de dizer, “o pecado é vantajoso" (“behovely” em Inglês) . Esta palavra rara tem um valor 19 no Scrabble (um famoso jogo de palavras – NT), mas possui um significado mais valioso para quem está em busca espiritual. Necessário, vantajoso. O significado etimológico da palavra combina o sentido de “compreender” com “algo proveitoso”.
Portanto, se a nossa Quaresma não tem sido perfeita, se sentirmos que temos fracassado na nossa disciplina ou que falhamos consistentemente na meditação, nem tudo está perdido. De facto, através do próprio sentido de fracasso, tudo pode estar ganho.
Com amor,
Laurence
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Não conseguiremos conhecer Deus sem nos conhecermos a nós mesmos. Caso contrário, Deus seria apenas o resultado bem-sucedido duma experiência científica que estaríamos a conduzir, não o que Deus significa como fonte, terreno e meta da própria existência.
O estranho é que o caminho do autoconhecimento nos leva (como vimos na primeira semana) a atravessar os vales da morte. Estes são as dolorosas des-ilusões do nosso amadurecimento. Como é que podemos chegar a nos conhecermos a nós mesmos sem, por vezes, ficar envergonhados e feridos pela descoberta de que não somos o que nós (ou outros) pensávamos que éramos? O resultado deste doloroso desvelar dos níveis mais profundos do nosso “eu” é sempre bom, a longo prazo. Mas, porque o autoconhecimento envolve sofrimento, muitas vezes, resistimos-lhe, negamo-lo ou fugimos dele, talvez durante décadas. Um exemplo típico é um viciado chegar ao reconhecimento e, humildemente, admitir o seu problema. Mas isto pode também acontecer a um aclamado filantropo que lentamente compreende que ajuda os outros principalmente por causa da boa imagem de si próprio que isso lhe dá.
Uma razão pela qual o autoconhecimento é difícil é que ele expõe os conflitos profundos e, muitas vezes, profundamente enterrados no nosso interior. Perder o comboio da Quaresma (tal como quebrar as nossas resoluções de Ano Novo) atinge esta exposição duma divisão no interior da nossa vontade. Se o que eu sou é o que eu quero, o que é que acontece se eu tiver que admitir que quero coisas diferentes, simultaneamente e irreconciliáveis? Uma esposa e uma amante. Vida familiar e grandes viagens de negócios. Bolo de chocolate e uma cintura delgada. Deus e o dinheiro. O Netflix e a meditação à tardinha.
Para o ego bem construído (uma pessoa “bem-sucedida” ou popular habitualmente tê-lo-á construído), esta descoberta do “eu” dividido pode ser devastadora. A erupção interior, que pôs S. Paulo fora de actividade durante um par de anos, transformou-o de perseguidor em vítima, vendo de seguida uma glória transcendente que transformou a vitimização na mais elevada dignidade e humildade humana. Mesmo depois de começar a sua nova vida, de se tornar um mestre nela e de ter tocado as alturas místicas, sofreu com um conflito visceral de desejos. O que ele queria, ele não queria. O que não queria, ele queria.
Para ele, este rude despertar destroçou o seu “ego” seguro de estar certo e ajudou-o a ver que as regras e o legalismo nunca irão conduzir ao autoconhecimento, ao conhecimento de Deus ou à liberdade da nova vida. Por estranho que pareça, é, muitas vezes, ao quebrar uma regra – pelo menos para os que estão seguros de estarem certos ou para os dilacerados pela culpa – que o propósito da regra é revelado. Talvez seja por isso que a sabedoria de S. Bento seja construída em torno duma Regra que está tão cheia de excepções.
Como iremos cantar no Sábado de Aleluia, “O felix culpa!” Um feliz erro de Adão. Ou, como a Madre Juliana de Norwich correu o risco de dizer, “o pecado é vantajoso" (“behovely” em Inglês) . Esta palavra rara tem um valor 19 no Scrabble (um famoso jogo de palavras – NT), mas possui um significado mais valioso para quem está em busca espiritual. Necessário, vantajoso. O significado etimológico da palavra combina o sentido de “compreender” com “algo proveitoso”.
Portanto, se a nossa Quaresma não tem sido perfeita, se sentirmos que temos fracassado na nossa disciplina ou que falhamos consistentemente na meditação, nem tudo está perdido. De facto, através do próprio sentido de fracasso, tudo pode estar ganho.
Com amor,
Laurence
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
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