
Domingo de Ramos - Reflexões para a Quaresma 2018
Mc 14:1-15-47
Nenhuma narrativa mudou o mundo tão profundamente como o relato da Paixão de Jesus que lemos hoje e que vamos considerar ao longo desta Semana Santa que hoje se inicia. Os temas que temos trabalhado durante a Quaresma – ascese, paradoxo, valores verdadeiros, consciência – estão embutidos na globalidade da história e brilham em muitos dos seus mínimos detalhes. Alguns filmes começam com o anúncio de que se “baseiam em factos reais”. Esta história não é inventada mas é também literatura da melhor qualidade. Comecemos.
Dois dias antes da Páscoa, o festival religioso central do mito fundador da sua raça, que reclama a predilecção de Deus para com o seu povo eleito. No Egipto (onde começámos a Quaresma) o anjo da morte passou sobre os filhos de Israel e escolheu os seus inimigos em vez deles. Claro, já sabemos que, nesta história, Jesus não terá este privilégio. Desde o início, ele é visto como uma vítima do corrupto e cruel sistema do poder. Ele é como K no livro “O Processo” de Kafka, e como nós nos nossos paranóicos pesadelos em que somos o alvo. Igual e diferente. Igual a nós na provação, diferente de nós na Sua resposta.
Os agentes do poder do mais alto nível, quando trabalham em solidariedade, são imbatíveis. Eles decidem eliminá-Lo e nós sabemos que Ele vai ser morto. Seja qual for o suspense nesta história – e todas as histórias exigem algum – não tem a ver com o resultado.
Mudança de cena. Jesus estava à mesa quando uma mulher lhe mostrou os seus sentimentos por ele, ungindo-O com um pote de unguento de alto preço. Ela quebrou o pote e derramou o conteúdo perfumado sobre a Sua cabeça. (Christos significa ‘ungido’). Alguns dos convidados ficaram zangados – por que razão desperdiçar o dinheiro em vez de o dar aos pobres? Jesus defende a mulher apaixonadamente. Este é mais um exemplo do Evangelho a destacar a superior sabedoria das mulheres. Talvez elas sejam mais sábias não só por serem mulheres: mas porque os que estão excluídos do poder frequentemente vêem mais profundamente a verdade. Os pobres e os que não têm poder com os quais Jesus se identificou estão muitas vezes mais próximos do Reino.
Ao protegê-la, Jesus diz que ‘vocês terão os pobres convosco sempre e podem ser bondosos com eles sempre que quiserem, mas nem sempre me terão a Mim’. Nenhum político diria isto. Mas será que ele está a dizer que ele vale mais do que os pobres? Ou: que a nossa opção pelos sem-poder resulta, não de ideais socioeconómicos, mas da transcendente fonte da compaixão? Quando vestiste o nu ou deste de comer ao faminto, diz Ele noutro passo, fizeste-o ‘a Mim’. O que pode parecer uma separação do sofrimento humano é de facto uma absoluta identificação com ele. Mas isso é expresso, não de um modo conceptual, mas no modo muito particular como Ele defende essa mulher. Quem é ela? Toda esta história é universal porque é tão autenticamente particular.
Mudança de cena: Judas oferece-se aos sumos sacerdotes para atraiçoar Jesus por dinheiro. Ele irá calcular o momento certo para O entregar a eles. O contraste com a menção do dinheiro na cena anterior do unguento é evidente. Aí o dinheiro era um pormenor. Aqui parece o motivo decisivo. Não sabemos porque é que Judas encena esta traição, que fez do seu nome um sinónimo universal do pior da humanidade. Nós nunca o entenderemos até descobrirmos a razão em nós próprios.
Com amor,
Laurence
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2018/
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