
Quarta-feira de Cinzas
Iniciamos hoje uma viagem de 46 dias até Domingo de Páscoa. Tradicionalmente, fazemos alguma coisa extra ou renunciamos a alguma coisa durante 40 desses dias. Podemos não o fazer nos 6 Domingos, pois estes, tradicionalmente, são dias de folga, dedicados a aliviar a disciplina de modo a recordar um facto essencial que deveríamos não esquecer durante a Quaresma: que já chegámos ao sítio para onde estamos indo.
Qualquer prática espiritual serve para compreender a realidade, não para a fazer acontecer. Embora, é claro, o processo e os estágios de compreensão sejam também uma espécie de acontecimento.
A Ressurreição já aconteceu realmente, senão não estaríamos a observar a Quaresma. Observamos a Quaresma não para fazer acontecer a Ressurreição, certamente não para tornar a vida difícil para nós por causa do que fizemos mal (e que iremos, provavelmente, continuar a fazer no futuro previsível). A Quaresma reduz o miasma da ignorância que assombra a nossa capacidade de viver a vida na sua máxima plenitude: ela ajuda-nos a perceber claramente, a pôr as prioridades na ordem correcta, a restabelecer o equilíbrio onde o tivermos perdido.
Eu costumava ser mais puritano e pensar que deveria manter aos Domingos fosse qual fosse a prática que tinha escolhido; habitualmente, em criança, consistia em pôr de lado prazeres como os doces ou, já em adulto, um prazer como o álcool ou os filmes. Hoje em dia, sou um pouco mais descontraído e mais permissivo comigo mesmo. Se mantiver a prática ao Domingo, será porque sinto que me está a fazer bem e, assim, (dum modo saudável) estou a descobrir essa forma diferente de prazer que encontramos através da experiência da liberdade e da simplificação.
Sugiro – caso ainda não o tenha feito – que decida o que quer fazer e o que não quer fazer durante os próximos 46 (ou 40) dias. Os princípios para escolher são, por exemplo: Será que aquilo de que me abstenho ou que me proponho fazer respeita e faz progredir a saudável integração da mente, do corpo e do espírito? Será a minha prática quaresmal uma afirmação de bondade, não um castigo pela fraqueza? Será que vai reduzir a dependência e moderar o desejo? Será que me vai recordar como o tempo pode ser melhor empregue e menos desperdiçado? Será que vai ajudar a mostrar-me que, por trás das minhas faltas e maus padrões, há sempre alguma coisa de bom que pode ser restaurada na sua forma saudável?
Pode usar a Quaresma, por exemplo, para começar a meditar (nesse caso, iria descansar dela ao Domingo?) Para arranjar tempo para ela, pode abdicar de alguma coisa, como o ver séries de seguida no Netflix ou navegar na net ou jogar sem limites. Se já for meditante, pode começar a meditar de novo como se fosse a primeira vez e recuperar essa maravilha fresca do momento em que este dom entrou na sua vida. Pode certificar-se de que faz as duas sessões, de manhã e à tardinha (incluindo ao Domingo, em que pode até acrescentar uma terceira). E pode estar mais consciente e controlar os sonhos acordados – e, às coisas ou pessoas aparentemente pequenas, conceder um bónus generoso da pura atenção.
Espero que estas leituras diárias me ajudem a manter este foco e a descobrir esta liberdade e esta alegria mais profunda. Se assim for, poderão, espero eu, ter algum valor para si nesta viagem que começamos juntos hoje.
Com amor,
Laurence
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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