
Segunda-feira da Semana Santa - Reflexões para a Quaresma 2018
Mc 14:1-15-47
Imediatamente após a cena negra e aparentemente sem motivo de Judas a vender o seu Mestre por dinheiro, Jesus dá instruções aos discípulos para a preparação da Páscoa que Ele irá comer com eles. Esta celebração de família, de amizade e de solidariedade com o passado irá incluir a traição. O que é que isso diria de Jesus como mestre se Judas fosse excluído?
A conversa entre Jesus e os discípulos sobre a preparação da refeição de Páscoa a ser celebrada em Jerusalém é bastante detalhada. Ele diz-lhes o que fazer, com quem se irão encontrar e onde – uma sala de primeiro andar com divãs e almofadões: um espaço de refeições preparado para se reclinar, típico do Médio Oriente e não a mesa do Quattrocento de Leonardo da Vinci. A impressão que recebemos é a de que Ele se está activamente a preparar para o que Lhe irá acontecer. Algumas pessoas, que sabem que vão morrer e que o aceitam, param de ser vítimas da sua mortalidade. No seu quarto de hospital ou em casa onde irão morrer, tornam-se mais preocupadas com os outros do que consigo mesmas. A morte torna-se mais do que uma individual e aterrorizadora extinção sendo uma passagem para um grupo de pessoas unidas profundamente umas às outras por laços de amor e fé. E, onde haja amor e fidelidade, a esperança nunca estará longe.
A sala do primeiro andar – mais tarde chamada Cenáculo – não é apenas uma sala alugada, mas um espaço comunitário. A tradição diz que é a sala onde os discípulos se reuniram no dia da Ressurreição e mais tarde para o Pentecostes. Não é uma comunidade virtual – tal como a viemos a compreender – mas uma comunidade fisicamente ligada e identificada com um espaço particular. Tal como com Bonnevaux – cada vez mais para a nossa comunidade – o espaço parece estar totalmente preenchido por uma presença viva.
A refeição partilhada (que se tornou na Eucaristia) era para ser um alegre encontro; mas uma sombra é lançada sobre ela pela consciência da traição que aí vem. Os antigos Padres da Igreja concordaram em como Judas tomou o pão e o vinho com o resto dos discípulos. É um detalhe importante porque mostra que a sombra em nós mesmos – e a escuridão no mundo, antes e depois – é absorvida pela própria luz que ela tenta bloquear. O que parece uma contradição (como acontece àqueles que excluem pessoas da Eucaristia) torna-se então um paradoxo no qual a transformação acontece e a realidade é compreendida.
Isto é o Meu corpo; isto é o Meu sangue. Duas palavras gregas, com significados distintos e sobrepostos, apontam para o dom que Ele está a conceder: Sarx (carne), Soma (corpo). Se Ele quisesse dizer sarx, seria um dom bastante repugnante – o canibalismo que as pessoas pensavam que os primeiros cristãos praticavam. Mas soma quer dizer o “eu” encarnado como um todo. Se uma mulher recebe um perturbador resultado de análises de sangue, a sua família não abraça apenas a sua carne, mas todo o seu “eu”-corporal. A dor da carne é aliviada pelo amor experienciado no corpo. Abdominais e bíceps perfeitos podem ser um embrulho atraente para o nosso “eu”, mas amamos a pessoa encarnada no seu todo, mesmo quando perde tónus e ganha peso.
Antes do sofrimento físico e mental para o qual Ele estava a prepará-los, Ele estava a tocá-los, como Leonard Cohen diz, com o Seu “corpo perfeito” e, mais ainda, a incluí-los nele.
Com amor,
Laurence
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2018/
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