Segunda-feira da Quarta Semana
(João 4: 43-54)
Enquanto ia descendo, os criados vieram ao seu encontro, dizendo: «O teu filho está salvo.»
O desejo é uma espada de dois gumes. Ele pode cortar e abrir caminho por entre a confusão e a dúvida e ajudar-nos a comprometermo-nos de todo o coração com uma direcção e uma linha de acção. Ou pode virar-se contra nós e incapacitar-nos. Tem cuidado com aquilo pelo que rezas caso o venhas a obter, é antiga sabedoria. Ter cuidado com aquilo que desejamos é igualmente importante porque isso decide se fazemos progressos ou se ficamos presos na trajectória da transcendência que constitui a nossa verdadeira vida.
Os pais em ânsias por causa dum filho doente ou transviado sentem um avassalador desejo de ajudar o filho, de se sacrificarem por ele de qualquer forma que seja necessária. Este desejo é tão instintivo que praticamente não é desejo, da forma em que habitualmente pensamos nele, sendo antes uma necessidade enraizada no mais profundo da nossa natureza. Comparemos isto com o avassalador desejo que um político tem de ser eleito, de alguém em ascensão numa linha hierárquica para chegar mais alto ou com um atleta determinado em competir e vencer. Nestes casos o desejo irá também conduzir a que de boa vontade faça um sacrifício de tempo e até mesmo de saúde, de modo a satisfazê-lo. Se esta ambição é grandemente motivada pelo ego ou é um desejo de fazer o bem, é uma questão de autodiscernimento. Gerir o desejo, de modo a que não se torne uma obsessão que tudo consume ou uma força destrutiva, requer um corajoso autoconhecimento.
Com todo o desejo vem o apego. Isso significa que uma parte profunda na nossa identidade se funde com aquilo que desejamos. Com o apego vem o sofrimento, a dor de esperar ser bem-sucedido ou o medo ou a dor da perda ou do fracasso. Mesmo com a euforia do sucesso o alívio da dor não dura muito até nos perguntarmos até quando ele durará. Por isso, estamos bem avisados pela sabedoria ancestral de que devemos desenvolver um hábito de desapego, em ordem a gerirmos o desejo. Não podemos viver sem desejo mas, não gerido, o desejo pode esgotar a alegria e a liberdade da vida. A meditação é a forma mais simples e mais natural de desenvolver esta hábito do desapego, o melhor seguro contra os iguais perigos do sucesso e do fracasso. Períodos como a Quaresma e práticas particulares de autodomínio e de mais profundo comprometimento também ajudam a aliviar o aperto do desejo. Elas libertam uma parte da identificação que fizemos entre o nosso “eu” e o nosso objecto de desejo. Aceitamos ainda que temos coisas a desejar mas não investimos em excesso. Por muito grande que seja o desejo, recordamos que nós não somos aquilo que queremos. A boa disciplina nos liberta.
Depois, há o desejo de sermos iluminados, o desejo por Deus, por santidade, o desejo de ser sem desejo. Estes precisam de ser geridos com muito cuidado. Podem produzir grandes frutos de libertação. Ou podem causar-nos uma grande distorção de alma e fazer de nós uns insuportáveis aborrecedores para os outros. Quanto maior o bem que desejamos, maior o desapego necessário para o gerir. Então, como aconteceu com o homem do evangelho de hoje, o que desejamos pode chegar quando menos esperamos, com a força transcendente de algo completamente livre de nós.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(João 4: 43-54)
Enquanto ia descendo, os criados vieram ao seu encontro, dizendo: «O teu filho está salvo.»
O desejo é uma espada de dois gumes. Ele pode cortar e abrir caminho por entre a confusão e a dúvida e ajudar-nos a comprometermo-nos de todo o coração com uma direcção e uma linha de acção. Ou pode virar-se contra nós e incapacitar-nos. Tem cuidado com aquilo pelo que rezas caso o venhas a obter, é antiga sabedoria. Ter cuidado com aquilo que desejamos é igualmente importante porque isso decide se fazemos progressos ou se ficamos presos na trajectória da transcendência que constitui a nossa verdadeira vida.
Os pais em ânsias por causa dum filho doente ou transviado sentem um avassalador desejo de ajudar o filho, de se sacrificarem por ele de qualquer forma que seja necessária. Este desejo é tão instintivo que praticamente não é desejo, da forma em que habitualmente pensamos nele, sendo antes uma necessidade enraizada no mais profundo da nossa natureza. Comparemos isto com o avassalador desejo que um político tem de ser eleito, de alguém em ascensão numa linha hierárquica para chegar mais alto ou com um atleta determinado em competir e vencer. Nestes casos o desejo irá também conduzir a que de boa vontade faça um sacrifício de tempo e até mesmo de saúde, de modo a satisfazê-lo. Se esta ambição é grandemente motivada pelo ego ou é um desejo de fazer o bem, é uma questão de autodiscernimento. Gerir o desejo, de modo a que não se torne uma obsessão que tudo consume ou uma força destrutiva, requer um corajoso autoconhecimento.
Com todo o desejo vem o apego. Isso significa que uma parte profunda na nossa identidade se funde com aquilo que desejamos. Com o apego vem o sofrimento, a dor de esperar ser bem-sucedido ou o medo ou a dor da perda ou do fracasso. Mesmo com a euforia do sucesso o alívio da dor não dura muito até nos perguntarmos até quando ele durará. Por isso, estamos bem avisados pela sabedoria ancestral de que devemos desenvolver um hábito de desapego, em ordem a gerirmos o desejo. Não podemos viver sem desejo mas, não gerido, o desejo pode esgotar a alegria e a liberdade da vida. A meditação é a forma mais simples e mais natural de desenvolver esta hábito do desapego, o melhor seguro contra os iguais perigos do sucesso e do fracasso. Períodos como a Quaresma e práticas particulares de autodomínio e de mais profundo comprometimento também ajudam a aliviar o aperto do desejo. Elas libertam uma parte da identificação que fizemos entre o nosso “eu” e o nosso objecto de desejo. Aceitamos ainda que temos coisas a desejar mas não investimos em excesso. Por muito grande que seja o desejo, recordamos que nós não somos aquilo que queremos. A boa disciplina nos liberta.
Depois, há o desejo de sermos iluminados, o desejo por Deus, por santidade, o desejo de ser sem desejo. Estes precisam de ser geridos com muito cuidado. Podem produzir grandes frutos de libertação. Ou podem causar-nos uma grande distorção de alma e fazer de nós uns insuportáveis aborrecedores para os outros. Quanto maior o bem que desejamos, maior o desapego necessário para o gerir. Então, como aconteceu com o homem do evangelho de hoje, o que desejamos pode chegar quando menos esperamos, com a força transcendente de algo completamente livre de nós.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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