Quarta-feira da Terceira Semana
(Mateus 5:17-19) (Evangelho Quotidiano)
Não penseis que vim para anular a Lei ou os Profetas. Não vim para anulá-los, mas sim para completá-los.
É difícil libertarmo-nos do passado. Mesmo quando foi um fracasso, temos tendência a branqueá-lo, a fim de evitarmos admitir os nossos erros. É difícil mudar a nossa mente (metanoia) e quanto mais as pessoas nos gritam para que o façamos, mais entranhados passamos a estar.
Mas as circunstâncias alteram-se. O que estava certo ontem pode não ser o melhor para hoje. Podemos sempre dizer “desculpa” e deixar ir, mas o hemisfério esquerdo do cérebro acha isso difícil de fazer porque construiu toda uma teia de boas razões para opiniões antecipadamente formadas. Ele gosta de fixidez. (Não vou fazer uma comparação com o Brexit). Mas mesmo quando admitimos que uma nova abordagem é necessária, não nos estamos a condenar a nós próprios pelos erros passados: fizemos o melhor que era possível com a informação que tínhamos na altura. O hemisfério direito do cérebro está no fluxo da realidade e é-lhe mais fácil aceitar a mudança. Só então poderemos fazer as pazes com o passado e ver o seu melhor, a Lei e os Profetas, transportados para o novo.
Até os deuses, assim como as civilizações a que antes suportaram, mudam e morrem. Hoje vivemos no crepúsculo dos deuses antigos. Eles dependiam dos seus devotos para se manterem vivos com oferendas de petições e sacrifícios. Quando os devotos deixam de acreditar nos deuses a vinha murcha. Até os poderosos deuses do Olimpo foram despromovidos. Antes de morrerem, tornaram-se locais, vestígios de nostalgia ou objectos de diversão para as novas gerações.
Mas não podemos viver sem deuses. (Até o ateu tem de lidar com eles). Precisamos dos símbolos e encantos que eles proporcionam para exprimirmos esperanças e necessidades que não conseguimos pôr em palavras. A mudança no panteão dos deuses, no entanto, é um tempo de perda e de crise, como o que estamos a atravessar agora no Cristianismo e noutras religiões. Os novos deuses são adorados nos filmes de Hollywood e Bollywood, nos templos dos centros comerciais, dos escritórios de negócios e das redacções dos jornais. Existem os deuses da desinformação e da divisão (e alguns bons). Alguns dos deuses antigos tentam reinventar-se e tornar-se relevantes enquanto outros se desvanecem e desaparecem. O consenso – a certeza que os deuses antigas davam – é corroído e substituído pelo conflito e controvérsia, até que nasça algo novo.
É por isso que o deserto e os nossos quarenta dias passados aí, ou os nossos vinte minutos aí, duas vezes por dia, são tão libertadores. Não há deuses, mortos ou vivos, no deserto, nem templos excepto o coração, nem sacrifícios excepto a nossa atenção. Existem, é claro, os nossos demónios interiores e alguns anjos necessários. Sem deuses, tudo o que fica é o Deus que é, mas não tem nome: o “Cristianismo sem religião” de que Dietrich Bonhoeffer teve um vislumbre a partir dos destroços da ordem antiga?
(Mateus 5:17-19) (Evangelho Quotidiano)
Não penseis que vim para anular a Lei ou os Profetas. Não vim para anulá-los, mas sim para completá-los.
É difícil libertarmo-nos do passado. Mesmo quando foi um fracasso, temos tendência a branqueá-lo, a fim de evitarmos admitir os nossos erros. É difícil mudar a nossa mente (metanoia) e quanto mais as pessoas nos gritam para que o façamos, mais entranhados passamos a estar.
Mas as circunstâncias alteram-se. O que estava certo ontem pode não ser o melhor para hoje. Podemos sempre dizer “desculpa” e deixar ir, mas o hemisfério esquerdo do cérebro acha isso difícil de fazer porque construiu toda uma teia de boas razões para opiniões antecipadamente formadas. Ele gosta de fixidez. (Não vou fazer uma comparação com o Brexit). Mas mesmo quando admitimos que uma nova abordagem é necessária, não nos estamos a condenar a nós próprios pelos erros passados: fizemos o melhor que era possível com a informação que tínhamos na altura. O hemisfério direito do cérebro está no fluxo da realidade e é-lhe mais fácil aceitar a mudança. Só então poderemos fazer as pazes com o passado e ver o seu melhor, a Lei e os Profetas, transportados para o novo.
Até os deuses, assim como as civilizações a que antes suportaram, mudam e morrem. Hoje vivemos no crepúsculo dos deuses antigos. Eles dependiam dos seus devotos para se manterem vivos com oferendas de petições e sacrifícios. Quando os devotos deixam de acreditar nos deuses a vinha murcha. Até os poderosos deuses do Olimpo foram despromovidos. Antes de morrerem, tornaram-se locais, vestígios de nostalgia ou objectos de diversão para as novas gerações.
Mas não podemos viver sem deuses. (Até o ateu tem de lidar com eles). Precisamos dos símbolos e encantos que eles proporcionam para exprimirmos esperanças e necessidades que não conseguimos pôr em palavras. A mudança no panteão dos deuses, no entanto, é um tempo de perda e de crise, como o que estamos a atravessar agora no Cristianismo e noutras religiões. Os novos deuses são adorados nos filmes de Hollywood e Bollywood, nos templos dos centros comerciais, dos escritórios de negócios e das redacções dos jornais. Existem os deuses da desinformação e da divisão (e alguns bons). Alguns dos deuses antigos tentam reinventar-se e tornar-se relevantes enquanto outros se desvanecem e desaparecem. O consenso – a certeza que os deuses antigas davam – é corroído e substituído pelo conflito e controvérsia, até que nasça algo novo.
É por isso que o deserto e os nossos quarenta dias passados aí, ou os nossos vinte minutos aí, duas vezes por dia, são tão libertadores. Não há deuses, mortos ou vivos, no deserto, nem templos excepto o coração, nem sacrifícios excepto a nossa atenção. Existem, é claro, os nossos demónios interiores e alguns anjos necessários. Sem deuses, tudo o que fica é o Deus que é, mas não tem nome: o “Cristianismo sem religião” de que Dietrich Bonhoeffer teve um vislumbre a partir dos destroços da ordem antiga?