Quinta-feira da Quarta Semana
(João 5:31-47)
Eu não ando à procura de receber glória* dos homens.
(*ou aprovação)
Tenho sido tentado, sem dúvida como muitas pessoas nos tempos recentes, a deixar de seguir as notícias. Primeiro, são os infindáveis relatos de fracassos: de liderança, de construção de consensos, de respeito pelo bem comum, do cuidado com os mais vulneráveis, protegendo o disfuncional e o corrupto. Há também a sensação de que aquilo que ouvimos como “notícias” é uma versão consideravelmente distorcida e incompleta dos eventos e daquilo que os principais intervenientes realmente pensam. Concluí, por muito frustrante e desapontante que o presente estado de coisas possa ser na sociedade nacional e global, que temos a responsabilidade, como membros da família, de manter um certo nível de conhecimento e de envolvimento em tudo isto, mesmo se nos parece por vezes que é uma telenovela de má qualidade.
Talvez num eremitério bem escondido no bosque, desligados do mundo, pudéssemos estar dispensados de seguir as notícias mas isso seria porque, ao mais profundo nível do relacionamento humano estaríamos presentes para todos e, de forma misteriosa, até mesmo de modo influente. Ramana Maharshi, que esteve durante a maior parte da sua vida num estado ininterrupto de “samadhi”, de contemplação, nunca saiu do seu ashram. Ele seguia a mesma rotina pessoal todos os dias. Muitos vinham vê-lo e sentavam-se com ele nesse seu silêncio amoroso. Uma vez um visitante perguntou-lhe porque é que ele não viajava para levar a sua paz aos recantos longínquos do mundo. Ramana sorriu e respondeu: “Como é que sabes que não o faço?”
Mas para os comuns mortais como nós, precisamos de equilibrar, nas flutuações do tempo, simultaneamente, trabalho contemplativo e trabalho activo. Se não tivermos tempo para o trabalho contemplativo – para ser em vez de fazer – corremos o risco de nos tornarmos cada vez mais atarefados e ruidosos e cada vez menos realmente úteis. Corremos muito mas cobrimos pouco terreno. Trabalhamos intensamente mas produzimos menos o bom trabalho.
Grande parte do empreendimento e da confusão modernos gira em torno do não-integrado ego. As questões de personalidade e os mexericos ocupam mais e mais as notícias a respeito daqueles que têm responsabilidade em nosso nome para dirigir as instituições e manter o mundo seguro. Excessiva ansiedade em torno da aprovação humana – aquilo que as pessoas pensam acerca de nós – provoca a disrupção do desapego de que precisamos para fazer bons julgamentos e servir em seu nome. Isto é dramaticamente verdade no caso dos líderes mas aplica-se misticamente a todos nós porque formamos um único corpo social, no qual cada indivíduo está ligado a cada um dos outros.
Estar desapegado da aprovação humana tem um sentido positivo mas também um sentido muito negativo. Em termos negativos, significa que fazemos o que nos apetece, mentimos, aldrabamos, extorquimos e destruímos e não nos importa o que quem quer que seja diga porque podemos simplesmente, ou negá-lo infinitamente ou eliminar a oposição. Este é o destino dos líderes solitários que perderam a sua solitude, ganhando o mundo à custa do seu verdadeiro “eu”.
Mas o sentido positivo significa que estamos desapegados, não desligados. Não estamos absorvidos na crescente multidão da Humanidade, nós estamos posicionados fora dela. Mas vivemos conscientemente na comunidade da Humanidade. Quanto mais desapegados estamos, mais compassivamente estamos no coração da sociedade.
Esta é a sabedoria que a história dos últimos dias de Jesus invoca – uma história que nos estamos a preparar para re-contar e ouvir de novo, à medida que a Quaresma se aproxima do fim. É uma história única. Mas, mesmo que não obtenha muita glória humana, a sabedoria é universal. Como diz Lao Tse, o sábio “sabe sem ter que remexer, realiza sem ter que agir”.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(João 5:31-47)
Eu não ando à procura de receber glória* dos homens.
(*ou aprovação)
Tenho sido tentado, sem dúvida como muitas pessoas nos tempos recentes, a deixar de seguir as notícias. Primeiro, são os infindáveis relatos de fracassos: de liderança, de construção de consensos, de respeito pelo bem comum, do cuidado com os mais vulneráveis, protegendo o disfuncional e o corrupto. Há também a sensação de que aquilo que ouvimos como “notícias” é uma versão consideravelmente distorcida e incompleta dos eventos e daquilo que os principais intervenientes realmente pensam. Concluí, por muito frustrante e desapontante que o presente estado de coisas possa ser na sociedade nacional e global, que temos a responsabilidade, como membros da família, de manter um certo nível de conhecimento e de envolvimento em tudo isto, mesmo se nos parece por vezes que é uma telenovela de má qualidade.
Talvez num eremitério bem escondido no bosque, desligados do mundo, pudéssemos estar dispensados de seguir as notícias mas isso seria porque, ao mais profundo nível do relacionamento humano estaríamos presentes para todos e, de forma misteriosa, até mesmo de modo influente. Ramana Maharshi, que esteve durante a maior parte da sua vida num estado ininterrupto de “samadhi”, de contemplação, nunca saiu do seu ashram. Ele seguia a mesma rotina pessoal todos os dias. Muitos vinham vê-lo e sentavam-se com ele nesse seu silêncio amoroso. Uma vez um visitante perguntou-lhe porque é que ele não viajava para levar a sua paz aos recantos longínquos do mundo. Ramana sorriu e respondeu: “Como é que sabes que não o faço?”
Mas para os comuns mortais como nós, precisamos de equilibrar, nas flutuações do tempo, simultaneamente, trabalho contemplativo e trabalho activo. Se não tivermos tempo para o trabalho contemplativo – para ser em vez de fazer – corremos o risco de nos tornarmos cada vez mais atarefados e ruidosos e cada vez menos realmente úteis. Corremos muito mas cobrimos pouco terreno. Trabalhamos intensamente mas produzimos menos o bom trabalho.
Grande parte do empreendimento e da confusão modernos gira em torno do não-integrado ego. As questões de personalidade e os mexericos ocupam mais e mais as notícias a respeito daqueles que têm responsabilidade em nosso nome para dirigir as instituições e manter o mundo seguro. Excessiva ansiedade em torno da aprovação humana – aquilo que as pessoas pensam acerca de nós – provoca a disrupção do desapego de que precisamos para fazer bons julgamentos e servir em seu nome. Isto é dramaticamente verdade no caso dos líderes mas aplica-se misticamente a todos nós porque formamos um único corpo social, no qual cada indivíduo está ligado a cada um dos outros.
Estar desapegado da aprovação humana tem um sentido positivo mas também um sentido muito negativo. Em termos negativos, significa que fazemos o que nos apetece, mentimos, aldrabamos, extorquimos e destruímos e não nos importa o que quem quer que seja diga porque podemos simplesmente, ou negá-lo infinitamente ou eliminar a oposição. Este é o destino dos líderes solitários que perderam a sua solitude, ganhando o mundo à custa do seu verdadeiro “eu”.
Mas o sentido positivo significa que estamos desapegados, não desligados. Não estamos absorvidos na crescente multidão da Humanidade, nós estamos posicionados fora dela. Mas vivemos conscientemente na comunidade da Humanidade. Quanto mais desapegados estamos, mais compassivamente estamos no coração da sociedade.
Esta é a sabedoria que a história dos últimos dias de Jesus invoca – uma história que nos estamos a preparar para re-contar e ouvir de novo, à medida que a Quaresma se aproxima do fim. É uma história única. Mas, mesmo que não obtenha muita glória humana, a sabedoria é universal. Como diz Lao Tse, o sábio “sabe sem ter que remexer, realiza sem ter que agir”.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
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