Sexta-feira da Primeira Semana
(Mateus 5:20-26)
Se a vossa virtude não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus.
Em defesa dos hipócritas, devemos lembrar que muita da hipocrisia deriva de uma falta de consciência, mesmo quando nós em parte escolhemos permanecer inconscientes. Despertar, especialmente se você esteve a dormir durante muito tempo, é sempre difícil. Resistimos à transição para uma maior e menos passiva dimensão da realidade. Empurramos a mão que nos sacode ou carregamos no botão dormir e viramo-nos para o outro lado. Esta relutância em estar despertos também é perceptível no modo como votamos e passamos o nosso tempo livre.
O valor de qualquer coisa será mais bem avaliado em referência ao seu oposto. Valorizamos o sono porque ele nos ajuda a estar mais despertos durante o dia. Valorizamos o silêncio para podermos comunicar melhor. Valorizamos a riqueza para que possamos partilhá-la. A relação entre opostos produz equilíbrio, viver saudável e pessoas boas que são amáveis e justas para os mais necessitados. Pender para um lado da equação – ficar na cama todo o dia, falar sem parar, agarrar-se aos seus bens materiais – conduz-nos mais fundo para um mundo unidimensional, ilusório, da auto-absorção, onde permanecemos inconscientes das muitas outras dimensões em que vivemos, nos movemos e existimos. Num mundo assim, a vida torna-se uma foto selfie contínua. Em vez disso, “ficai despertos”, diz-nos o Evangelho. O Buda caminhava um dia quando outro transeunte ficou fulminado pelo brilho radiante da sua presença e lhe perguntou: “O senhor é um Deus?” “Não”. “Então é um mágico?” “Não.” “Então quem é?” “Estou desperto”, o Buda replicou.
Estar desperto faz parte da sabedoria universal inerente a todo o ensinamento verdadeiro. Estar realmente desperto está para além do que entendemos como moralidade ou, digamos, é a base fundamental do julgamento moral. O hipócrita em nós é muito rápido a condenar os outros, entronizando-se no alto patamar da moral a partir do qual pode actuar com incrível crueldade. Mas isso está na dimensão dos sonhos, não do mundo real. Vemos o efeito do estar desperto na diferença entre o trabalho bem feito, que exibe o melhor de nós mesmos, trazendo benefícios aos outros, e o trabalho que leva ao esgotamento e à divisão. Por outro lado, estar desperto mostra a diferença entre uma bela representação artística da forma humana e uma imagem obscena.
É difícil de ver como, na velocidade e na sobrecarga de informações da vida moderna, podemos manter-nos despertos sem uma prática contemplativa integrada na vida quotidiana. Faltando isto, como podemos nós (ainda que com as melhores intenções com que o hipócrita em nós muitas vezes parte) evitar sermos arrastados para o torpor da superactividade, o estado-de-sonho do meio-acordado?
O mesmo equilíbrio que nos mantém despertos também reduz a nossa hipocrisia. A chave é aceitar as nossas limitações. Na Quaresma, não se trata de nos apoucarmos ou negarmos o dom dos prazeres simples. Trata-se sim de aceitar que as nossas limitações são o meio pelo qual nos orientamos entre os extremos. Fisicamente estamos limitados pelos limites biológicos aos quais devemos dar resposta de forma adequada – por exemplo, no sono ou na alimentação. Intelectualmente, estamos limitados pela quantidade de dados que podemos absorver e também pela necessidade de conteúdos saudáveis, em vez do entretenimento sem fim. Só na dimensão espiritual não existem limites.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(Mateus 5:20-26)
Se a vossa virtude não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus.
Em defesa dos hipócritas, devemos lembrar que muita da hipocrisia deriva de uma falta de consciência, mesmo quando nós em parte escolhemos permanecer inconscientes. Despertar, especialmente se você esteve a dormir durante muito tempo, é sempre difícil. Resistimos à transição para uma maior e menos passiva dimensão da realidade. Empurramos a mão que nos sacode ou carregamos no botão dormir e viramo-nos para o outro lado. Esta relutância em estar despertos também é perceptível no modo como votamos e passamos o nosso tempo livre.
O valor de qualquer coisa será mais bem avaliado em referência ao seu oposto. Valorizamos o sono porque ele nos ajuda a estar mais despertos durante o dia. Valorizamos o silêncio para podermos comunicar melhor. Valorizamos a riqueza para que possamos partilhá-la. A relação entre opostos produz equilíbrio, viver saudável e pessoas boas que são amáveis e justas para os mais necessitados. Pender para um lado da equação – ficar na cama todo o dia, falar sem parar, agarrar-se aos seus bens materiais – conduz-nos mais fundo para um mundo unidimensional, ilusório, da auto-absorção, onde permanecemos inconscientes das muitas outras dimensões em que vivemos, nos movemos e existimos. Num mundo assim, a vida torna-se uma foto selfie contínua. Em vez disso, “ficai despertos”, diz-nos o Evangelho. O Buda caminhava um dia quando outro transeunte ficou fulminado pelo brilho radiante da sua presença e lhe perguntou: “O senhor é um Deus?” “Não”. “Então é um mágico?” “Não.” “Então quem é?” “Estou desperto”, o Buda replicou.
Estar desperto faz parte da sabedoria universal inerente a todo o ensinamento verdadeiro. Estar realmente desperto está para além do que entendemos como moralidade ou, digamos, é a base fundamental do julgamento moral. O hipócrita em nós é muito rápido a condenar os outros, entronizando-se no alto patamar da moral a partir do qual pode actuar com incrível crueldade. Mas isso está na dimensão dos sonhos, não do mundo real. Vemos o efeito do estar desperto na diferença entre o trabalho bem feito, que exibe o melhor de nós mesmos, trazendo benefícios aos outros, e o trabalho que leva ao esgotamento e à divisão. Por outro lado, estar desperto mostra a diferença entre uma bela representação artística da forma humana e uma imagem obscena.
É difícil de ver como, na velocidade e na sobrecarga de informações da vida moderna, podemos manter-nos despertos sem uma prática contemplativa integrada na vida quotidiana. Faltando isto, como podemos nós (ainda que com as melhores intenções com que o hipócrita em nós muitas vezes parte) evitar sermos arrastados para o torpor da superactividade, o estado-de-sonho do meio-acordado?
O mesmo equilíbrio que nos mantém despertos também reduz a nossa hipocrisia. A chave é aceitar as nossas limitações. Na Quaresma, não se trata de nos apoucarmos ou negarmos o dom dos prazeres simples. Trata-se sim de aceitar que as nossas limitações são o meio pelo qual nos orientamos entre os extremos. Fisicamente estamos limitados pelos limites biológicos aos quais devemos dar resposta de forma adequada – por exemplo, no sono ou na alimentação. Intelectualmente, estamos limitados pela quantidade de dados que podemos absorver e também pela necessidade de conteúdos saudáveis, em vez do entretenimento sem fim. Só na dimensão espiritual não existem limites.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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