Sexta-feira da Quarta Semana
(João 7:1-30)
Eu é que O conheço, porque procedo d’Ele e foi Ele que Me enviou.
No longo movimento em direção à autoconscientização, os seres humanos acabaram por reconhecer diferentes níveis de consciência. Parece que os cães sonham mas não parecem estar interessados na diferença entre o estado de vigília e o estado de sonho. Nós temos crescido no reconhecimento de diferentes tipos de conhecimento e operações da mente. Se toda esta evolução de consciência nos tornou melhores do que os cães e os deuses que adoramos, ou o que ela significa, é uma outra questão.
Talvez precisemos de dar dois passos em frente e um passo para trás. Com isto quero dizer que, à medida que crescemos em autoconscientização, precisamos de recordar directamente a diferença entre níveis de consciência. Para nós e para os nossos relacionamentos é importante distinguir o sonho da realidade. Numa cultura saturada pelos media, onde facilmente ficamos adictos aos nossos aparelhos e nos privamos a nós mesmos até de um normal grau de paz – para nem falar da paz de Deus que ultrapassa a compreensão – é crucial que recordemos a existência de um nível de pura consciência. É por isto que vamos para o deserto todos os dias para fazer o trabalho do silêncio. “Abandonando”, como disse João Cassiano no séc. V, “todas as riquezas do pensamento e imaginação”, encontramos a estrada real para a pobreza em espírito – desapego e a capacidade de desfrutar e entender sem possessividade e as ilusões que ela acarreta. O significado da Quaresma e da meditação quotidiana.
Sócrates contou a história de um erudito que se abeirou de um rei egípcio com um maravilhoso novo produto chamado “escrita”. Ele afirmava que ela faria expandir a memória das pessoas: “a minha descoberta fornece a receita para a memória e a sabedoria”, reclamava ele. O rei era demasiado esperto para aderir de imediato ao uso deste novo meio. Ele concluiu que o invento iria ter o efeito oposto porque “as pessoas deixarão de exercitar a memória”. Em vez de recorrerem diretamente aos seus recursos interiores elas próprias, acabarão por ficar dependentes dos “meios de marcação externa”. O rei parece uma pessoa dos tempos modernos a queixar-se de que com o Google e as calculadoras electrónicas perdemos o hábito da memória, do trabalho mental e a arte de aprender.
É difícil ficar completamente convencido desta posição extrema, especialmente se pensarmos que as palavras de Sócrates tiveram que ser escritas por um seu aluno para poderem chegar até nós hoje. Mas as diferenças entre conhecimento directo e indirecto nunca foram mais importantes, de serem abordadas. Por muito maravilhoso que seja um documentário de TV sobre a Natureza não é a mesma coisa que fazer uma caminhada real. Discutir a meditação ou fazer investigação sobre os seus benefícios não é o mesmo que meditar. Alcançar uma experiência de Deus através de ideias, símbolos ou rituais tem imenso valor. Somos mais débeis sem esta linguagem. Mas saber que “Eu conheço a Deus porque procedo d’Ele e foi Ele que Me enviou” é uma forma de conhecimento que não pode ser digitalizada num sistema binário ou mesmo na mais bela escrita.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(João 7:1-30)
Eu é que O conheço, porque procedo d’Ele e foi Ele que Me enviou.
No longo movimento em direção à autoconscientização, os seres humanos acabaram por reconhecer diferentes níveis de consciência. Parece que os cães sonham mas não parecem estar interessados na diferença entre o estado de vigília e o estado de sonho. Nós temos crescido no reconhecimento de diferentes tipos de conhecimento e operações da mente. Se toda esta evolução de consciência nos tornou melhores do que os cães e os deuses que adoramos, ou o que ela significa, é uma outra questão.
Talvez precisemos de dar dois passos em frente e um passo para trás. Com isto quero dizer que, à medida que crescemos em autoconscientização, precisamos de recordar directamente a diferença entre níveis de consciência. Para nós e para os nossos relacionamentos é importante distinguir o sonho da realidade. Numa cultura saturada pelos media, onde facilmente ficamos adictos aos nossos aparelhos e nos privamos a nós mesmos até de um normal grau de paz – para nem falar da paz de Deus que ultrapassa a compreensão – é crucial que recordemos a existência de um nível de pura consciência. É por isto que vamos para o deserto todos os dias para fazer o trabalho do silêncio. “Abandonando”, como disse João Cassiano no séc. V, “todas as riquezas do pensamento e imaginação”, encontramos a estrada real para a pobreza em espírito – desapego e a capacidade de desfrutar e entender sem possessividade e as ilusões que ela acarreta. O significado da Quaresma e da meditação quotidiana.
Sócrates contou a história de um erudito que se abeirou de um rei egípcio com um maravilhoso novo produto chamado “escrita”. Ele afirmava que ela faria expandir a memória das pessoas: “a minha descoberta fornece a receita para a memória e a sabedoria”, reclamava ele. O rei era demasiado esperto para aderir de imediato ao uso deste novo meio. Ele concluiu que o invento iria ter o efeito oposto porque “as pessoas deixarão de exercitar a memória”. Em vez de recorrerem diretamente aos seus recursos interiores elas próprias, acabarão por ficar dependentes dos “meios de marcação externa”. O rei parece uma pessoa dos tempos modernos a queixar-se de que com o Google e as calculadoras electrónicas perdemos o hábito da memória, do trabalho mental e a arte de aprender.
É difícil ficar completamente convencido desta posição extrema, especialmente se pensarmos que as palavras de Sócrates tiveram que ser escritas por um seu aluno para poderem chegar até nós hoje. Mas as diferenças entre conhecimento directo e indirecto nunca foram mais importantes, de serem abordadas. Por muito maravilhoso que seja um documentário de TV sobre a Natureza não é a mesma coisa que fazer uma caminhada real. Discutir a meditação ou fazer investigação sobre os seus benefícios não é o mesmo que meditar. Alcançar uma experiência de Deus através de ideias, símbolos ou rituais tem imenso valor. Somos mais débeis sem esta linguagem. Mas saber que “Eu conheço a Deus porque procedo d’Ele e foi Ele que Me enviou” é uma forma de conhecimento que não pode ser digitalizada num sistema binário ou mesmo na mais bela escrita.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
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