Quinta-feira Santa
(João 13:1-15)
Chegou, pois, a Simão Pedro. Este disse-lhe: “Senhor, Tu é que me lavas os pés?”
No relato de S. João da Última Ceia, há uma ênfase maior no lava-pés do que no pão e vinho. Mas ambos os pontos de vista se focam no corpo.
Para compreender o quão central o corpo humano é para o significado da Páscoa – realmente para a própria essência do Cristianismo – precisamos de pensar no nosso próprio corpo. Pensar no nosso próprio corpo habitualmente envolve duas opções. Uma é, o quão atractivo ou não atractivo eu sinto que eu próprio sou, em termos físicos. Há, um breve e até gloriosamente imortal, período na vida em que nós (nunca com cem por cento de certeza) percebemos que somos jovens, que estamos em forma e que podemos até ser competitivos com outros corpos no mercado. Há uns poucos entre os nossos contemporâneos que estão gloriosamente certos de o serem, por algum tempo. Se estivessem num mercado de escravos na Roma Antiga, seriam o produto mais cobiçado em negociação. Esta – espera-se – será apenas uma chave menor na nossa própria auto-estima; e, para a maior parte de nós é algo sob controlo. Mas durante um certo período de tempo podemos estar seguros quanto ao nosso ser físico. Cada vez mais, hoje em dia, porém, e tragicamente, os jovens sentem-se alienados dos seus próprios corpos, como o demonstram as desordens da automutilação e alimentares.
A outra opção vem mais tarde, quando pensamos nos nossos corpos, não como atraente ou não atraente, mas em termos de desempenho ou de sobrevivência. Quando o nosso corpo se torna medicalizado – e aprisionado num sistema médico dualista de testes e experimentos – o “meu corpo” fica alienado da pessoa que diz “meu”. De facto, todos os usos do pronome possessivo sugerem um grau de alienação face a qualquer verdadeiro relacionamento. O que é que alguma vez podemos dizer, com certeza, que é realmente “meu” ou “teu”?
A certa altura – como quando estamos a ser tratados no hospital, ou quando nos vendemos a nós mesmos nas ruas – alguma outra pessoa pode até tê-lo. Quando Jesus diz “isto é o Meu corpo”, no entanto, Ele é dono do Seu próprio corpo. Isso significa, não que “possui”, mas que Ele é o Seu corpo. De que outro modo, a não ser com este grau de auto-incorporação, poderia Ele o dar aos outros – dar-Se a Si mesmo como um ser corporificado? Ele está plenamente corporificado e aceita esta verdade da encarnação de Si mesmo, independentemente de como o Seu corpo possa parecer ou do quão bom o seu desempenho. Não é possuído e gerido por especialistas e companhias de seguros. Só nesse estado, quando desfrutamos de liberdade corporal, sem que o nosso corpo seja possuído por outros – seja para tratamento médico ou para o prazer de outros – é que podemos dizer “este é o meu corpo”. Para algumas pessoas, na Idade Média ou hoje, as palavras da consagração “hoc est corpus meum” são palavras de poder e incluem o mais profundo significado da comunidade na qual são ditas.
Para outras, estas palavras podem ser meros resquícios de um passado mágico. A verdade encontra-se a meio, na teia de relacionamentos que compõem o nosso corpo. Todos nós, de forma única, pertencemos a um corpo maior do que o nosso corpo privado, que mirra e murcha na sua individualidade. O outro corpo morre mas é ressuscitado na sua singularidade, para uma nova e maior intensidade de vida. Para os que têm o gosto da Eucaristia, isto é algo que podemos partilhar dia a dia. Mesmo para aqueles que não têm esta ligação, a meditação dá acesso a ela.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(João 13:1-15)
Chegou, pois, a Simão Pedro. Este disse-lhe: “Senhor, Tu é que me lavas os pés?”
No relato de S. João da Última Ceia, há uma ênfase maior no lava-pés do que no pão e vinho. Mas ambos os pontos de vista se focam no corpo.
Para compreender o quão central o corpo humano é para o significado da Páscoa – realmente para a própria essência do Cristianismo – precisamos de pensar no nosso próprio corpo. Pensar no nosso próprio corpo habitualmente envolve duas opções. Uma é, o quão atractivo ou não atractivo eu sinto que eu próprio sou, em termos físicos. Há, um breve e até gloriosamente imortal, período na vida em que nós (nunca com cem por cento de certeza) percebemos que somos jovens, que estamos em forma e que podemos até ser competitivos com outros corpos no mercado. Há uns poucos entre os nossos contemporâneos que estão gloriosamente certos de o serem, por algum tempo. Se estivessem num mercado de escravos na Roma Antiga, seriam o produto mais cobiçado em negociação. Esta – espera-se – será apenas uma chave menor na nossa própria auto-estima; e, para a maior parte de nós é algo sob controlo. Mas durante um certo período de tempo podemos estar seguros quanto ao nosso ser físico. Cada vez mais, hoje em dia, porém, e tragicamente, os jovens sentem-se alienados dos seus próprios corpos, como o demonstram as desordens da automutilação e alimentares.
A outra opção vem mais tarde, quando pensamos nos nossos corpos, não como atraente ou não atraente, mas em termos de desempenho ou de sobrevivência. Quando o nosso corpo se torna medicalizado – e aprisionado num sistema médico dualista de testes e experimentos – o “meu corpo” fica alienado da pessoa que diz “meu”. De facto, todos os usos do pronome possessivo sugerem um grau de alienação face a qualquer verdadeiro relacionamento. O que é que alguma vez podemos dizer, com certeza, que é realmente “meu” ou “teu”?
A certa altura – como quando estamos a ser tratados no hospital, ou quando nos vendemos a nós mesmos nas ruas – alguma outra pessoa pode até tê-lo. Quando Jesus diz “isto é o Meu corpo”, no entanto, Ele é dono do Seu próprio corpo. Isso significa, não que “possui”, mas que Ele é o Seu corpo. De que outro modo, a não ser com este grau de auto-incorporação, poderia Ele o dar aos outros – dar-Se a Si mesmo como um ser corporificado? Ele está plenamente corporificado e aceita esta verdade da encarnação de Si mesmo, independentemente de como o Seu corpo possa parecer ou do quão bom o seu desempenho. Não é possuído e gerido por especialistas e companhias de seguros. Só nesse estado, quando desfrutamos de liberdade corporal, sem que o nosso corpo seja possuído por outros – seja para tratamento médico ou para o prazer de outros – é que podemos dizer “este é o meu corpo”. Para algumas pessoas, na Idade Média ou hoje, as palavras da consagração “hoc est corpus meum” são palavras de poder e incluem o mais profundo significado da comunidade na qual são ditas.
Para outras, estas palavras podem ser meros resquícios de um passado mágico. A verdade encontra-se a meio, na teia de relacionamentos que compõem o nosso corpo. Todos nós, de forma única, pertencemos a um corpo maior do que o nosso corpo privado, que mirra e murcha na sua individualidade. O outro corpo morre mas é ressuscitado na sua singularidade, para uma nova e maior intensidade de vida. Para os que têm o gosto da Eucaristia, isto é algo que podemos partilhar dia a dia. Mesmo para aqueles que não têm esta ligação, a meditação dá acesso a ela.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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