Sexta-feira Santa
(João 18, 1 - 19, 42)
Um dos guardas que estava ali presente deu uma bofetada a Jesus e disse-Lhe: “É assim que respondes ao sumo sacerdote?”. Jesus respondeu-lhe: “Se falei mal, mostra-Me em quê. Mas, se falei bem, porque Me bates?”
O relato da Paixão de Cristo apresenta-se como um dos maiores textos de todos os tempos que reflecte a profundidade de significado humano. É completamente pessoal – o indivíduo inocente, falsamente acusado, bode expiatório e tratado de forma desumana, torturado e barbaramente executado. É uma velha história que mostra o pior lado do uso pela humanidade do poder de uns sobre os outros; e está a acontecer neste momento enquanto eu escrevo, e você lê isto. Cada caso, todavia, é único. A própria particularidade de cada um é o que revela o significado universal e com significado – o sentido de conexão – há, paradoxalmente, sempre esperança.
A Sexta-feira Santa expande o sentido humano da dimensão espiritual. Traz-nos para o lado do bode expiatório, de modo a que o mecanismo pelo qual culpamos os outros, e os fazemos sofrer por nós, seja exposto. O segredo de como o poder age é exteriorizado. Vemos o mundo tal como ele é. A violência é irracional. Quando Jesus responde ao guarda que Lhe bate, vemos a razão a retirar o poder às fachadas da violência. Não conhecemos a resposta do guarda. A única real resposta é admitir o auto-engano por trás de tamanha violência. Incapaz de admitir isto, ele provavelmente esbofeteou Jesus novamente.
Há outra dimensão de significado, ainda mais transformadora do que a exposição do nosso vício de violência. Ela refere-se ao significado do sofrimento. Na obra de Santideva “Um Guia para o Caminho de Vida Bodhisattva”, um clássico budista datado do século 8 depois de Cristo, vemos como este significado se tornou universalizado. Um bodhisattva é um ser humano que devota todo o seu ser ao bem-estar da Humanidade, a aliviar o sofrimento em todo o lado. O Dalai Lama comenta este texto dizendo que, quando um grande bodhisattva sofre, gera não negatividade.
O Evangelho vai mais longe quando nos traz as últimas palavras de Jesus na Cruz: “Pai, perdoa-lhes pois eles não sabem o que fazem.” A Cruz não somente gera não negatividade. Ela gera ilimitadas sabedoria e compaixão. Se Jesus tivesse dito: “Eu os perdoo...”, isso teria sido mais fraco por causa da sua individualidade. Em vez disso, Ele pediu o perdão a partir do terreno do ser sobre o qual Ele – e aqueles que O atormentaram e aqueles que O traíram - e todos se encontravam. Isto não é um indulto judicial, um mero acto de clemência. Provém de um entendimento profundo da causa, da ignorância e da falta de autoconsciência, dos responsáveis. Num instante vemos o significado do perdão, para nós mesmos e para os outros.
A morte de Jesus gera uma onda de iluminado amor que lava todas as dimensões da realidade, todos os tempos e espaços. Reconhecido ou não, o Seu sofrimento toca-nos a todos. Expõe as nossas faltas humanas, mas sem acusação ou culpa. Faz isto revelando a nossa bondade essencial e o nosso potencial. É por isso que no antigo claustro de Bonnevaux, esta tarde, iremos escolher avançar, fazer uma vénia à Cruz e beijá-la.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(João 18, 1 - 19, 42)
Um dos guardas que estava ali presente deu uma bofetada a Jesus e disse-Lhe: “É assim que respondes ao sumo sacerdote?”. Jesus respondeu-lhe: “Se falei mal, mostra-Me em quê. Mas, se falei bem, porque Me bates?”
O relato da Paixão de Cristo apresenta-se como um dos maiores textos de todos os tempos que reflecte a profundidade de significado humano. É completamente pessoal – o indivíduo inocente, falsamente acusado, bode expiatório e tratado de forma desumana, torturado e barbaramente executado. É uma velha história que mostra o pior lado do uso pela humanidade do poder de uns sobre os outros; e está a acontecer neste momento enquanto eu escrevo, e você lê isto. Cada caso, todavia, é único. A própria particularidade de cada um é o que revela o significado universal e com significado – o sentido de conexão – há, paradoxalmente, sempre esperança.
A Sexta-feira Santa expande o sentido humano da dimensão espiritual. Traz-nos para o lado do bode expiatório, de modo a que o mecanismo pelo qual culpamos os outros, e os fazemos sofrer por nós, seja exposto. O segredo de como o poder age é exteriorizado. Vemos o mundo tal como ele é. A violência é irracional. Quando Jesus responde ao guarda que Lhe bate, vemos a razão a retirar o poder às fachadas da violência. Não conhecemos a resposta do guarda. A única real resposta é admitir o auto-engano por trás de tamanha violência. Incapaz de admitir isto, ele provavelmente esbofeteou Jesus novamente.
Há outra dimensão de significado, ainda mais transformadora do que a exposição do nosso vício de violência. Ela refere-se ao significado do sofrimento. Na obra de Santideva “Um Guia para o Caminho de Vida Bodhisattva”, um clássico budista datado do século 8 depois de Cristo, vemos como este significado se tornou universalizado. Um bodhisattva é um ser humano que devota todo o seu ser ao bem-estar da Humanidade, a aliviar o sofrimento em todo o lado. O Dalai Lama comenta este texto dizendo que, quando um grande bodhisattva sofre, gera não negatividade.
O Evangelho vai mais longe quando nos traz as últimas palavras de Jesus na Cruz: “Pai, perdoa-lhes pois eles não sabem o que fazem.” A Cruz não somente gera não negatividade. Ela gera ilimitadas sabedoria e compaixão. Se Jesus tivesse dito: “Eu os perdoo...”, isso teria sido mais fraco por causa da sua individualidade. Em vez disso, Ele pediu o perdão a partir do terreno do ser sobre o qual Ele – e aqueles que O atormentaram e aqueles que O traíram - e todos se encontravam. Isto não é um indulto judicial, um mero acto de clemência. Provém de um entendimento profundo da causa, da ignorância e da falta de autoconsciência, dos responsáveis. Num instante vemos o significado do perdão, para nós mesmos e para os outros.
A morte de Jesus gera uma onda de iluminado amor que lava todas as dimensões da realidade, todos os tempos e espaços. Reconhecido ou não, o Seu sofrimento toca-nos a todos. Expõe as nossas faltas humanas, mas sem acusação ou culpa. Faz isto revelando a nossa bondade essencial e o nosso potencial. É por isso que no antigo claustro de Bonnevaux, esta tarde, iremos escolher avançar, fazer uma vénia à Cruz e beijá-la.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
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