Segunda-feira da Segunda Semana
(Lucas 9:28-36)
Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.
Ontem, reflectimos sobre a transformação física que acompanha a profunda realidade espiritual. Isto tem mais significado do que o espessamento da massa cinzenta do cérebro observado pelos cientistas que estudam os que meditam regularmente. O Evangelho liga esta inundação do espírito no físico à compaixão – “sede compassivos como o vosso Pai é compassivo”. É isto que desencadeia o transbordar. Nada poderia perverter mais isto do que o “evangelho da prosperidade”, com recompensas e punições, que seduz tantas pessoas hoje em dia, ligando-o à ganância oportunista numa transacção financeira. (“Envie um donativo ao pregador e Deus dar-lhe-á em dobro.”)
Uma vez fui visitar a Casa da Madre Teresa para os moribundos, em Calcutá. As camas estavam todas ocupadas e o transbordante de indivíduos em sofrimento cobria os pavimentos. As Missionárias da Caridade dirigem uma organização compassiva, mas eficiente e com instalações imaculadamente limpas. Uma delas pediu-me vivamente que fosse ter com uma pessoa de corpo muito diminuto, se homem ou mulher não se percebia, jazendo no chão de costas para nós e que lhe desse a bênção. Quando me ajoelhei, vi o mais magro dos jovens e pela sua quietude presumi que já estaria morto. Toquei o seu ombro e fiquei chocado quando ele se mexeu e com uma surpreendente rapidez se virou para mim. Soergueu-se apoiado no seu magro braço e olhou-me por dentro com os seus olhos escancarados cheios de felicidade. Levemente questionei-me por um momento se o teria distraído daquilo que ele estava a contemplar. Mas ele era indistraível. Fui eu quem foi abençoado quando o seu olhar penetrou através dos muros das nossas identidades distintas e me trouxe momentaneamente à visão.
Santo Agostinho diz que a visão de Deus, que é a meta do destino humano, não consiste em observar Deus como um ser separado a grande distância. Esta é a imagem que vemos em muitas pinturas antigas, a hierarquia da sociedade humana repetida no Céu, com os que mais têm sentados nos melhores lugares, à frente, e os restantes, por ordem decrescente de importância, atrás deles. Em vez disso, diz Agostinho, a visão consiste em nos virarmos uns para os outros e olharmos nos olhos uns dos outros, aonde vemos a Deus. Isso produz em nós uma felicidade que o outro percebe e compreende melhor porque o viu no nosso reflectido olhar. Isso torna-o mais feliz, o que aumenta a nossa felicidade – e assim por diante eternamente.
A “dádiva” na citação acima é inquantificável. Quantificar é fracassar. Mas a proporcionalidade é real. Quanto mais damos, mais recebemos até que caiamos da cachoeira numa cascata de alegria. Ela dura até começarmos a nos perguntarmos quanto mais vai durar e se a poderemos perder.
A compaixão, tal como a bondade, não é recompensada. Ela liberta e é a recompensa, o florescer em ilimitada generosidade, de si mesma. Começa com um olhar mútuo e prossegue para o retorno infinito.
Então, talvez, uma prática quaresmal para hoje: faça e mantenha contato visual sem medo.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(Lucas 9:28-36)
Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.
Ontem, reflectimos sobre a transformação física que acompanha a profunda realidade espiritual. Isto tem mais significado do que o espessamento da massa cinzenta do cérebro observado pelos cientistas que estudam os que meditam regularmente. O Evangelho liga esta inundação do espírito no físico à compaixão – “sede compassivos como o vosso Pai é compassivo”. É isto que desencadeia o transbordar. Nada poderia perverter mais isto do que o “evangelho da prosperidade”, com recompensas e punições, que seduz tantas pessoas hoje em dia, ligando-o à ganância oportunista numa transacção financeira. (“Envie um donativo ao pregador e Deus dar-lhe-á em dobro.”)
Uma vez fui visitar a Casa da Madre Teresa para os moribundos, em Calcutá. As camas estavam todas ocupadas e o transbordante de indivíduos em sofrimento cobria os pavimentos. As Missionárias da Caridade dirigem uma organização compassiva, mas eficiente e com instalações imaculadamente limpas. Uma delas pediu-me vivamente que fosse ter com uma pessoa de corpo muito diminuto, se homem ou mulher não se percebia, jazendo no chão de costas para nós e que lhe desse a bênção. Quando me ajoelhei, vi o mais magro dos jovens e pela sua quietude presumi que já estaria morto. Toquei o seu ombro e fiquei chocado quando ele se mexeu e com uma surpreendente rapidez se virou para mim. Soergueu-se apoiado no seu magro braço e olhou-me por dentro com os seus olhos escancarados cheios de felicidade. Levemente questionei-me por um momento se o teria distraído daquilo que ele estava a contemplar. Mas ele era indistraível. Fui eu quem foi abençoado quando o seu olhar penetrou através dos muros das nossas identidades distintas e me trouxe momentaneamente à visão.
Santo Agostinho diz que a visão de Deus, que é a meta do destino humano, não consiste em observar Deus como um ser separado a grande distância. Esta é a imagem que vemos em muitas pinturas antigas, a hierarquia da sociedade humana repetida no Céu, com os que mais têm sentados nos melhores lugares, à frente, e os restantes, por ordem decrescente de importância, atrás deles. Em vez disso, diz Agostinho, a visão consiste em nos virarmos uns para os outros e olharmos nos olhos uns dos outros, aonde vemos a Deus. Isso produz em nós uma felicidade que o outro percebe e compreende melhor porque o viu no nosso reflectido olhar. Isso torna-o mais feliz, o que aumenta a nossa felicidade – e assim por diante eternamente.
A “dádiva” na citação acima é inquantificável. Quantificar é fracassar. Mas a proporcionalidade é real. Quanto mais damos, mais recebemos até que caiamos da cachoeira numa cascata de alegria. Ela dura até começarmos a nos perguntarmos quanto mais vai durar e se a poderemos perder.
A compaixão, tal como a bondade, não é recompensada. Ela liberta e é a recompensa, o florescer em ilimitada generosidade, de si mesma. Começa com um olhar mútuo e prossegue para o retorno infinito.
Então, talvez, uma prática quaresmal para hoje: faça e mantenha contato visual sem medo.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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