Sábado Santo
(De uma homilia do séc. II)
Algo de estranho está a acontecer – há um grande silêncio na Terra hoje; um grande silêncio e uma grande quietude. Toda a Terra guarda silêncio.
A morte é um professor duro. Mas é um bom professor. Parece ao princípio que é o grande inimigo – como grandes professores sempre parecem. Porém, quando já aprendemos com ela, torna-se nossa amiga. No Katha Upanishad, o rapaz chamado Nachiketas está decidido a descobrir o significado da verdade e sabe que terá de penetrar e de questionar a morte, se quiser ser bem-sucedido. Deixando a sua casa e a família começa a sua busca atravessando os limites do mundo conhecido. Todas as tradições de sabedoria reconhecem a importância de recordar que vamos morrer e relembram-nos de que a tentação de lhe resistir – por muito que seja compreensível – é negar a realidade.
Hoje, Sábado Santo, é o dia seguinte. Já não podemos negá-la. Encarando isto, também aprendemos o significado do silêncio. Nada é mais silencioso do que a morte. Não só a morte é silenciosa, como tornar-se silencioso é morrer – para nós mesmos. A única forma de podermos abordar a dimensão do divino é através do silêncio de todas as nossas faculdades. Não há plataforma de observação onde o ego se possa refugiar, para dizer “como isto está silencioso aqui”. Como é que é estar morto é coisa que os vivos nunca saberão. Vislumbramos, com um certo grau de medo, que o nosso corpo não é propriedade privada.
Viver com esta incerteza torna a contemplação inevitável. De outro modo nós construímos falsas certezas e seguranças que roubam à vida a sua dignidade e alegria. Na meditação, o trabalho do silêncio, todas as nossas ideias sobre Deus tornam-se obsoletas. Deus morre – como a moderna sociedade secular bem sabe. No entanto Deus sobrevive à Sua própria morte. Não é Deus que morre, mas as nossas mais preciosas imagens de Deus.
Por muito doloroso que seja o abismo da ausência na morte, se abraçarmos o silêncio, aprendemos que nem a morte nem o silêncio são negação ou uma evacuação do significado. É vazio, que é simultaneamente a completa plenitude: a pobreza de espírito que faz de nós cidadãos de pleno direito do Reino de Deus.
O silêncio nada diz. Não tem qualquer mensagem a não ser ele mesmo. O silêncio cresce através de todas as dimensões da realidade. O silêncio do corpo acontece, não por via de o oprimir ou humilhar mas por meio da disciplina da moderação e do amor. O corpo tem um milhão de coisas a funcionar ao mesmo tempo. A não ser que estejamos doentes, não estamos nem precisamos de estar conscientes de todas elas. Mas é mais difícil meditar e fazer o trabalho do silêncio quando temos uma dor de dentes ou o nariz a pingar. O silêncio da mente é também alcançado, não através da força, mas da repetida gentileza de treinamos a nossa atenção – pondo a nossa mente no Reino de Deus. Não na ideia ou na imagem do reino, mas no Reino que é silencioso. Mais ainda, que é silêncio.
Tudo, incluindo a linguagem e a imaginação, procede do silêncio. Para vivermos e verdadeiramente estarmos em busca, precisamos de regressar, frequentemente, ao trabalho do silêncio, até ele se tornar, tal como as nossas operações biológicas, um ritmo natural abençoado sobre o qual não precisamos de pensar. Jesus mergulha no mais profundo da mente do cosmos e explora cada recanto da natureza humana e da história. Ele toca o ponto singular de origem e de simplicidade, em que a Ciência acredita mas que não consegue encontrar. O Sábado Santo é a festa da quietude universal no coração da realidade. Quando a nossa mente se abre para aprender isto, não se torna silenciosa. Torna-se silêncio: para além de todo os pensamentos, palavras e imagens. É a grande libertação.
Tal como o silêncio, em silêncio nós esperamos pelo grande evento que manifesta a vida do amor a partir da qual tudo o que existe veio e ao qual regressa.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
(De uma homilia do séc. II)
Algo de estranho está a acontecer – há um grande silêncio na Terra hoje; um grande silêncio e uma grande quietude. Toda a Terra guarda silêncio.
A morte é um professor duro. Mas é um bom professor. Parece ao princípio que é o grande inimigo – como grandes professores sempre parecem. Porém, quando já aprendemos com ela, torna-se nossa amiga. No Katha Upanishad, o rapaz chamado Nachiketas está decidido a descobrir o significado da verdade e sabe que terá de penetrar e de questionar a morte, se quiser ser bem-sucedido. Deixando a sua casa e a família começa a sua busca atravessando os limites do mundo conhecido. Todas as tradições de sabedoria reconhecem a importância de recordar que vamos morrer e relembram-nos de que a tentação de lhe resistir – por muito que seja compreensível – é negar a realidade.
Hoje, Sábado Santo, é o dia seguinte. Já não podemos negá-la. Encarando isto, também aprendemos o significado do silêncio. Nada é mais silencioso do que a morte. Não só a morte é silenciosa, como tornar-se silencioso é morrer – para nós mesmos. A única forma de podermos abordar a dimensão do divino é através do silêncio de todas as nossas faculdades. Não há plataforma de observação onde o ego se possa refugiar, para dizer “como isto está silencioso aqui”. Como é que é estar morto é coisa que os vivos nunca saberão. Vislumbramos, com um certo grau de medo, que o nosso corpo não é propriedade privada.
Viver com esta incerteza torna a contemplação inevitável. De outro modo nós construímos falsas certezas e seguranças que roubam à vida a sua dignidade e alegria. Na meditação, o trabalho do silêncio, todas as nossas ideias sobre Deus tornam-se obsoletas. Deus morre – como a moderna sociedade secular bem sabe. No entanto Deus sobrevive à Sua própria morte. Não é Deus que morre, mas as nossas mais preciosas imagens de Deus.
Por muito doloroso que seja o abismo da ausência na morte, se abraçarmos o silêncio, aprendemos que nem a morte nem o silêncio são negação ou uma evacuação do significado. É vazio, que é simultaneamente a completa plenitude: a pobreza de espírito que faz de nós cidadãos de pleno direito do Reino de Deus.
O silêncio nada diz. Não tem qualquer mensagem a não ser ele mesmo. O silêncio cresce através de todas as dimensões da realidade. O silêncio do corpo acontece, não por via de o oprimir ou humilhar mas por meio da disciplina da moderação e do amor. O corpo tem um milhão de coisas a funcionar ao mesmo tempo. A não ser que estejamos doentes, não estamos nem precisamos de estar conscientes de todas elas. Mas é mais difícil meditar e fazer o trabalho do silêncio quando temos uma dor de dentes ou o nariz a pingar. O silêncio da mente é também alcançado, não através da força, mas da repetida gentileza de treinamos a nossa atenção – pondo a nossa mente no Reino de Deus. Não na ideia ou na imagem do reino, mas no Reino que é silencioso. Mais ainda, que é silêncio.
Tudo, incluindo a linguagem e a imaginação, procede do silêncio. Para vivermos e verdadeiramente estarmos em busca, precisamos de regressar, frequentemente, ao trabalho do silêncio, até ele se tornar, tal como as nossas operações biológicas, um ritmo natural abençoado sobre o qual não precisamos de pensar. Jesus mergulha no mais profundo da mente do cosmos e explora cada recanto da natureza humana e da história. Ele toca o ponto singular de origem e de simplicidade, em que a Ciência acredita mas que não consegue encontrar. O Sábado Santo é a festa da quietude universal no coração da realidade. Quando a nossa mente se abre para aprender isto, não se torna silenciosa. Torna-se silêncio: para além de todo os pensamentos, palavras e imagens. É a grande libertação.
Tal como o silêncio, em silêncio nós esperamos pelo grande evento que manifesta a vida do amor a partir da qual tudo o que existe veio e ao qual regressa.
Reflexões para a Quaresma 2019 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2019/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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