Enquanto escrevo isto, estou ainda a sentir a surpresa de ter sentido a brilhante luz duma enorme lua às primeiras horas desta manhã. O luar parece sempre estar a inundar suavemente o nosso corpo e depois ataca subitamente a mente. Acabo por me distrair, porém, de pensar na festa lunar da Páscoa, na ligação com o estrogénio e com as eternamente minguantes e crescentes fases da lua. A distracção vem dum ruído contínuo e estridente como o de uma multidão num estádio de futebol celebrando a vitória num campeonato, que se está a espalhar pelo meu quarto através das janelas abertas em frente à minha secretária, com vista para o lago de Bonnevaux. Sapos em plena desarmonia coral. Como explica o livro que consultei, os jovens sapos machos despertam da sua hibernação com uma única coisa em mente e as fêmeas cheias de ovas desovam, e em menos dum piscar de olhos estas estão fertilizadas.
"Ascendi de entre os mortos depois de remover o aguilhão da morte e largar os grilhões do inferno… pois, vede, o Inverno passou, a chuva parou e foi-se embora. As flores aparecem sobre a terra. Eu ascendi dos mortos, eu ofereci paz." (Orígenes: Homilias sobre o Cântico dos Cânticos)
Primavera. O calmo, pacífico e influente ciclo da lua que enforma os calendários religiosos e agrícolas e os nossos estados de humor. A fixação frenética e a impaciência dos rituais de acasalamento. A energia que passa para cima no corpo e explode no espírito.
A ressurreição acontece tanto na Natureza como na nossa psique que a reflecte. O desacerto do passo na dança entre os ritmos interior e exterior perturba tudo. Muitos perceberam isto através do seu áspero encontro com o vírus, uma face da Natureza, durante as últimas semanas. A diferença entre a Ressurreição de Jesus e o ciclo biológico da Natureza é que n’Ele o ciclo da morte e renascimento não é repetido mas transcendido. É verdade, nós continuamos a experienciar muitas mortes e renascimentos, como sempre, quanto mais profunda a morte mais alto o renascimento. Mas atravessando cada ciclo nas nossas vidas pessoal e colectiva, conseguimos respirar melhor à luz do Ressuscitado, que nunca mais morrerá, Jesus, e perdermo-nos e encontrarmo-nos a nós mesmos n’Ele.
A crise do coronavírus tem significado morte para muitos indivíduos, uma miríade de formas de sofrimento e talvez, a morte dum modo de vida. Há muito que sabíamos que este era insustentável. Crescimento fora de controlo é cancro. A Páscoa recorda-nos que não precisamos de temer a mudança ou a morte, depois de nos termos comprometido com a vida real. O nosso caminho espiritual, seja qual for a forma que assuma, é esse compromisso. À medida que
entrarmos no ciclo da morte e ressurreição mais intimamente, ficamos mais cientes da sua verdade universal, de que ele é o modelo para todos os seres. Começamos a apreciar o que é o Mistério […] É o ciclo sobre o qual cada meia-hora de meditação se baseia: morte para a possessividade e trivialidade que ocupam o nosso ego e uma ascensão para a liberdade que amanhece quando nos encontramos a nós mesmos por olharmos totalmente para o Outro. […] Estamos a morrer e a ascender para uma nova vida todos os dias. […] No entanto também é verdade que só há uma morte e uma ascensão, às quais Jesus se submeteu por toda a Criação. (John Main, A Palavra que Leva ao Silêncio) |
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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