Terça-feira da Primeira Semana da Quaresma
A Quaresma é melhor entendida como uma aprendizagem para fazermos o que queremos. O que verdadeiramente queremos. Por vezes, é difícil saber o que isso é. Frequentemente obtemos o que queremos e descobrimos que não é o que pensávamos e que nos levámos a nós próprios a uma decepção por um falso querer, um insignificante desejo. Muitas décadas podem decorrer de adições a coisas que na realidade não queremos. Temos medo só de afastar o desejo (por exemplo, de segurança, riqueza, estatuto, aprovação).
Saber o que realmente queremos é melhor alcançado pelo libertarmo-nos de todos os desejos, ao menos durante algumas respirações enquanto meditamos. Nesses momentos queremos não querer nada, excepto dizer o mantra com uma pura e generosa atenção. As práticas quaresmais externas também concorrem para isso: porque a Quaresma convida-nos, não a castigarmo-nos pelas nossas más acções ou falhanços, mas, ao contrário, a fazermos um esforço para fazer algo que realmente desejamos fazer e a desapegarmo-nos (ou reduzir a influência) de algo que realmente não queremos fazer. É bastante fácil identificar estas situações em pequenas coisas das nossas vidas diárias. Deveríamos então adoptar calmamente uma atitude descontraída de modo a pôr esses (verdadeiros) desejos em prática.
O problema surge quando o nosso lado sombra e de auto-rejeição fica preso num pequeno exercício de ascese. Se isto envolve um entendimento religioso, podemos ter uma situação muito desequilibrada. Seria como alguém que decide ir a um ginásio regularmente para se manter em forma e então vai ficando maniacamente compulsivo em relação ao tamanho dos seus músculos ou ao seu peso. Numa boa atitude quaresmal, fazemos o que realmente queremos (desenvolvendo bons hábitos) e não fazemos o que não queremos fazer (reduzindo os maus hábitos), num esforço sério mas leve. Não se trata de liquidar dívidas que acumulámos. Nem se trata de tentarmos ser perfeitos. Ou de compensar falhas cometidas.
As culturas materialistas entendem a espiritualidade de forma errada. Tornam-na numa opção comercialmente condicionada de estilo de vida. Ou, expõem a espiritualidade ao clima contagioso do perfeccionismo compulsivo e fome por aprovação a que eles chamam “sucesso” ou às vezes até mesmo de “bem-estar”. O falso ascetismo da religião pode sofrer mutações, por exemplo, para a automutilação que está a crescer entre os jovens atualmente. No passado os perfeccionistas religiosos usavam cintos que os punham a sangrar. Hoje há muitos que se ferem ou se queimam a si próprios. Ambas as aberrações são desesperadamente auto-derrotadoras. São tentativas para se sentir algo quando apenas nos sentimos anestesiados, dormentes ou mortos ou fundamentalmente desconectados. Elas estão enraizadas em falsas ideias acerca do pecado e da graça e numa separação extrema da sabedoria da moderação.
Assim, as pequenas coisas que “nós fazemos na Quaresma” têm uma boa influência no despertar de valores fundamentais que precisamos de recuperar. Uma vida equilibrada, por exemplo, é essencial para um bom desenvolvimento humano. Mas não pode ser mantida sem asceticismo, ou seja, sem o esforço moderado que fazemos para ficarmos em contacto com a nossa bondade essencial e separar os verdadeiros desejos dos falsos desejos. Quando John Main, ao falar da meditação como “oração pura”, disse que o ascetismo essencial da vida cristã é a oração, ele estava a revelar um insight, um entendimento profundo, de imenso valor para a cultura moderna que traz um imenso alívio para aqueles que vêem o que isso significa.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
A Quaresma é melhor entendida como uma aprendizagem para fazermos o que queremos. O que verdadeiramente queremos. Por vezes, é difícil saber o que isso é. Frequentemente obtemos o que queremos e descobrimos que não é o que pensávamos e que nos levámos a nós próprios a uma decepção por um falso querer, um insignificante desejo. Muitas décadas podem decorrer de adições a coisas que na realidade não queremos. Temos medo só de afastar o desejo (por exemplo, de segurança, riqueza, estatuto, aprovação).
Saber o que realmente queremos é melhor alcançado pelo libertarmo-nos de todos os desejos, ao menos durante algumas respirações enquanto meditamos. Nesses momentos queremos não querer nada, excepto dizer o mantra com uma pura e generosa atenção. As práticas quaresmais externas também concorrem para isso: porque a Quaresma convida-nos, não a castigarmo-nos pelas nossas más acções ou falhanços, mas, ao contrário, a fazermos um esforço para fazer algo que realmente desejamos fazer e a desapegarmo-nos (ou reduzir a influência) de algo que realmente não queremos fazer. É bastante fácil identificar estas situações em pequenas coisas das nossas vidas diárias. Deveríamos então adoptar calmamente uma atitude descontraída de modo a pôr esses (verdadeiros) desejos em prática.
O problema surge quando o nosso lado sombra e de auto-rejeição fica preso num pequeno exercício de ascese. Se isto envolve um entendimento religioso, podemos ter uma situação muito desequilibrada. Seria como alguém que decide ir a um ginásio regularmente para se manter em forma e então vai ficando maniacamente compulsivo em relação ao tamanho dos seus músculos ou ao seu peso. Numa boa atitude quaresmal, fazemos o que realmente queremos (desenvolvendo bons hábitos) e não fazemos o que não queremos fazer (reduzindo os maus hábitos), num esforço sério mas leve. Não se trata de liquidar dívidas que acumulámos. Nem se trata de tentarmos ser perfeitos. Ou de compensar falhas cometidas.
As culturas materialistas entendem a espiritualidade de forma errada. Tornam-na numa opção comercialmente condicionada de estilo de vida. Ou, expõem a espiritualidade ao clima contagioso do perfeccionismo compulsivo e fome por aprovação a que eles chamam “sucesso” ou às vezes até mesmo de “bem-estar”. O falso ascetismo da religião pode sofrer mutações, por exemplo, para a automutilação que está a crescer entre os jovens atualmente. No passado os perfeccionistas religiosos usavam cintos que os punham a sangrar. Hoje há muitos que se ferem ou se queimam a si próprios. Ambas as aberrações são desesperadamente auto-derrotadoras. São tentativas para se sentir algo quando apenas nos sentimos anestesiados, dormentes ou mortos ou fundamentalmente desconectados. Elas estão enraizadas em falsas ideias acerca do pecado e da graça e numa separação extrema da sabedoria da moderação.
Assim, as pequenas coisas que “nós fazemos na Quaresma” têm uma boa influência no despertar de valores fundamentais que precisamos de recuperar. Uma vida equilibrada, por exemplo, é essencial para um bom desenvolvimento humano. Mas não pode ser mantida sem asceticismo, ou seja, sem o esforço moderado que fazemos para ficarmos em contacto com a nossa bondade essencial e separar os verdadeiros desejos dos falsos desejos. Quando John Main, ao falar da meditação como “oração pura”, disse que o ascetismo essencial da vida cristã é a oração, ele estava a revelar um insight, um entendimento profundo, de imenso valor para a cultura moderna que traz um imenso alívio para aqueles que vêem o que isso significa.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal