Quarta-feira da Segunda Semana
Quando foi a última vez que leram um romance? Ou viram uma série da Netflix, que está a tomar o lugar dos romances na satisfação das nossas necessidades de contar histórias?
Pode dizer-se que a Literatura Ocidental teve origem na fervilhante imaginação aplicada a todas as coisas que preenchem a passagem da vida – das tarefas e rotinas do dia-a-dia às tragédias e períodos de felicidade. Na reflexão de ontem pensei sobre como a mente, especialmente em tempos de grande angústia, salta de cena imaginária em cena imaginária, provando diferentes versões da realidade. Um grande escritor selecciona de entre a avassaladora variedade de escolhas de universos paralelos e foca-se em criar uma versão convincente de uma delas. Um muito grande escritor também deixa um vestígio da fervilhante mente na ordem que cria, um sentido de todas as possíveis outras vias nas quais as personagens e o fio da história se podiam ter desenvolvido. Isto, estranhamente, é o que faz com que uma boa história pareça “real” e portanto nos satisfaça.
Para muitos escritores modernos, a história e a criação de ordem a partir do caos, parecem ser secundárias em relação ao retratar da realidade da imaginação irrequieta. Deixam-nos com um sentido de fluxo e sem um final. Isto também é vaidade, a perseguição do vento, como diz o Livro do Eclesiastes. Mesmo as histórias que não satisfazem as nossas expectativas dum começo, meio e fim ajudam-nos a encontrar sentido na vida. Os poemas e a fotografia também são formas de o fazer e até a música conta uma história sem palavras ou imagens.
Viver no momento pode não ser bom para os romancistas. Eles precisam de flutuar e vaguear no meio de diferentes possíveis presentes. No entanto, eles também necessitam da disciplina de se sentar regularmente e domar a mente. Tal como nós, meditantes.
Apesar da rápida globalização económica e do contágio pela cultura de Hollywood, o mundo continua a ser um mosaico enigmático, enfurecedor e maravilhoso. Se as nossas mentes e vidas estão fervilhando, o que dizer do nosso planeta? Assim, apesar da ocidentalização do “Oriente”, da erosão das suas culturas de sabedoria pelo materialismo e do colapso cultural do “Ocidente”, podemos ainda falar destes dois hemisférios e adicionar-lhes as manifestações da Humanidade do Norte e do Sul. A mente e a cultura ocidentais são enformadas pelo contar de histórias, desde Homero e da Bíblia em diante, como uma forma de conhecer o incognoscível e expressar o inefável. Sem histórias estaríamos tão solitários como Adão sem os animais.
Em muitos momentos e a diferentes níveis, partilhamos a nossa história pessoal com os outros, como um sinal de confiança e de crescente amor. O Evangelho é a história de uma pessoa em quem o interior e o exterior se tornaram ou sempre foram, extraordinariamente, um. Essa unidade, o Seu Espírito, continua a mover-se entre nós, nos nossos próprios universos interior e exterior. Ela abraça a Humanidade, oferecendo-se a si mesma sem força nem culpa. Se reconhecermos isto, estamos a fazer o caminho da nossa vida nas Suas pegadas e Ele nas nossas, numa sabedoria sempre embrenhada com o amor. O Seu Espírito ensina-nos a aceitar o que quer que seja, agora, para separar a fantasia da realidade. Para sermos fiéis e não fugirmos de nós mesmos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Quando foi a última vez que leram um romance? Ou viram uma série da Netflix, que está a tomar o lugar dos romances na satisfação das nossas necessidades de contar histórias?
Pode dizer-se que a Literatura Ocidental teve origem na fervilhante imaginação aplicada a todas as coisas que preenchem a passagem da vida – das tarefas e rotinas do dia-a-dia às tragédias e períodos de felicidade. Na reflexão de ontem pensei sobre como a mente, especialmente em tempos de grande angústia, salta de cena imaginária em cena imaginária, provando diferentes versões da realidade. Um grande escritor selecciona de entre a avassaladora variedade de escolhas de universos paralelos e foca-se em criar uma versão convincente de uma delas. Um muito grande escritor também deixa um vestígio da fervilhante mente na ordem que cria, um sentido de todas as possíveis outras vias nas quais as personagens e o fio da história se podiam ter desenvolvido. Isto, estranhamente, é o que faz com que uma boa história pareça “real” e portanto nos satisfaça.
Para muitos escritores modernos, a história e a criação de ordem a partir do caos, parecem ser secundárias em relação ao retratar da realidade da imaginação irrequieta. Deixam-nos com um sentido de fluxo e sem um final. Isto também é vaidade, a perseguição do vento, como diz o Livro do Eclesiastes. Mesmo as histórias que não satisfazem as nossas expectativas dum começo, meio e fim ajudam-nos a encontrar sentido na vida. Os poemas e a fotografia também são formas de o fazer e até a música conta uma história sem palavras ou imagens.
Viver no momento pode não ser bom para os romancistas. Eles precisam de flutuar e vaguear no meio de diferentes possíveis presentes. No entanto, eles também necessitam da disciplina de se sentar regularmente e domar a mente. Tal como nós, meditantes.
Apesar da rápida globalização económica e do contágio pela cultura de Hollywood, o mundo continua a ser um mosaico enigmático, enfurecedor e maravilhoso. Se as nossas mentes e vidas estão fervilhando, o que dizer do nosso planeta? Assim, apesar da ocidentalização do “Oriente”, da erosão das suas culturas de sabedoria pelo materialismo e do colapso cultural do “Ocidente”, podemos ainda falar destes dois hemisférios e adicionar-lhes as manifestações da Humanidade do Norte e do Sul. A mente e a cultura ocidentais são enformadas pelo contar de histórias, desde Homero e da Bíblia em diante, como uma forma de conhecer o incognoscível e expressar o inefável. Sem histórias estaríamos tão solitários como Adão sem os animais.
Em muitos momentos e a diferentes níveis, partilhamos a nossa história pessoal com os outros, como um sinal de confiança e de crescente amor. O Evangelho é a história de uma pessoa em quem o interior e o exterior se tornaram ou sempre foram, extraordinariamente, um. Essa unidade, o Seu Espírito, continua a mover-se entre nós, nos nossos próprios universos interior e exterior. Ela abraça a Humanidade, oferecendo-se a si mesma sem força nem culpa. Se reconhecermos isto, estamos a fazer o caminho da nossa vida nas Suas pegadas e Ele nas nossas, numa sabedoria sempre embrenhada com o amor. O Seu Espírito ensina-nos a aceitar o que quer que seja, agora, para separar a fantasia da realidade. Para sermos fiéis e não fugirmos de nós mesmos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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