Quinta-feira da Primeira Semana da Quaresma
A incapacidade de perdoar, quando o desejaríamos, é uma das cruzes mais pesadas que podemos carregar. Não só nos pode pesar no espírito, como nas nossas emoções, com uma sensação de fracasso e culpa. Como nos podemos ajudar uns aos outros a carregar esta cruz, até compreendermos num momento de libertação, que o peso da cruz é apenas o fardo da ilusão?
O desejo de vingança (às vezes chamamos-lhes “justiça”) é compreensível quando alguém nos magoou. Mas raramente é uma escolha que fazemos. Às vezes, é um sentimento de dever (numa cultura de vendetta) ou a nossa resposta instintiva e magoada, quando uma proposta de reconciliação foi rejeitada. Como demonstrou a Comissão para a Verdade e Reconciliação pós-Apartheid, a maioria das vítimas não procura em primeiro lugar a vingança, ver o seu opressor sofrer. Elas querem ouvir uma confissão, um reconhecimento de que o agressor foi responsável pela dor infligida. Aparentemente, então, a recusa em admitir a culpa é que desencadeia a raiva extrema da vingança, que ironicamente dói à vítima ainda mais do que ao agressor.
Perdão e reconciliação são duas fases distintas do processo de curar dores humanas e traições. O perdão não é algo que concedemos mas sim uma integração dos nossos próprios sentimentos (ao nos reconhecermos como vítimas) de rejeição e ultraje com o nosso mais profundo e verdadeiro eu. O perdão é uma cura do sentimento da própria vítima de ter sido traída – um sentimento que conduz muitas vezes à autorrejeição e a uma sensação de indignidade. No mais profundo da natureza humana há a expetativa de que devemos ser, e seremos, tratados com justiça. Sempre que esta expetativa falha, somos levados a uma imensa confusão e não vemos claramente onde fica a responsabilidade. Demonizamos a pessoa que nos magoou ou desapontou. Culpamos a pessoa errada. Ou culpamo-nos a nós próprios.
Tudo isto cria instabilidade na nossa alma. Quando tentamos meditar, desembocamos rapidamente nessa instabilidade, como um dos maiores obstáculos, como um avião atingindo a turbulência atmosférica. Se formos capazes de perseverar, o poder da pura atenção pode penetrar e começar a dissipá-la. Mas provavelmente ainda teremos necessidade de a partilhar com alguém que nos possa dar atenção ou a quem pagamos para que nos dê a sua atenção. O perdão, então, avança com a retirada das nossas projeções. Depois perguntamos, interiormente, à pessoa com quem estamos em conflito, “porque me bateste”? Foi esta a pergunta que Jesus fez ao soldado que Lhe bateu durante o julgamento. Isso começa a mudar a nossa mente.
A percepção na outra pessoa abre-se e, não tarda, esse entendimento é aprofundado pela compaixão. Apenas temos de vislumbrar um pouco da dor, do tumulto na sua alma, da cruz que a pessoa que nos magoou carrega em si mesma. O desejo por vingança ou de fazê-la desaparecer da existência cede então o passo à compaixão a que chamamos perdoar os nossos inimigos.
A Quaresma é uma boa altura para fazermos um inventário da história dos nossos relacionamentos para ver se temos necessidade deste perdão. É uma época em que simplificamos. Ao fazê-lo, compreendemo-nos melhor na nossa relação com os outros. E aquilo de que normalmente fugimos pode ser encarado. Liberdade emocional, leveza de coração e uma consciência liberta são o resultado.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
A incapacidade de perdoar, quando o desejaríamos, é uma das cruzes mais pesadas que podemos carregar. Não só nos pode pesar no espírito, como nas nossas emoções, com uma sensação de fracasso e culpa. Como nos podemos ajudar uns aos outros a carregar esta cruz, até compreendermos num momento de libertação, que o peso da cruz é apenas o fardo da ilusão?
O desejo de vingança (às vezes chamamos-lhes “justiça”) é compreensível quando alguém nos magoou. Mas raramente é uma escolha que fazemos. Às vezes, é um sentimento de dever (numa cultura de vendetta) ou a nossa resposta instintiva e magoada, quando uma proposta de reconciliação foi rejeitada. Como demonstrou a Comissão para a Verdade e Reconciliação pós-Apartheid, a maioria das vítimas não procura em primeiro lugar a vingança, ver o seu opressor sofrer. Elas querem ouvir uma confissão, um reconhecimento de que o agressor foi responsável pela dor infligida. Aparentemente, então, a recusa em admitir a culpa é que desencadeia a raiva extrema da vingança, que ironicamente dói à vítima ainda mais do que ao agressor.
Perdão e reconciliação são duas fases distintas do processo de curar dores humanas e traições. O perdão não é algo que concedemos mas sim uma integração dos nossos próprios sentimentos (ao nos reconhecermos como vítimas) de rejeição e ultraje com o nosso mais profundo e verdadeiro eu. O perdão é uma cura do sentimento da própria vítima de ter sido traída – um sentimento que conduz muitas vezes à autorrejeição e a uma sensação de indignidade. No mais profundo da natureza humana há a expetativa de que devemos ser, e seremos, tratados com justiça. Sempre que esta expetativa falha, somos levados a uma imensa confusão e não vemos claramente onde fica a responsabilidade. Demonizamos a pessoa que nos magoou ou desapontou. Culpamos a pessoa errada. Ou culpamo-nos a nós próprios.
Tudo isto cria instabilidade na nossa alma. Quando tentamos meditar, desembocamos rapidamente nessa instabilidade, como um dos maiores obstáculos, como um avião atingindo a turbulência atmosférica. Se formos capazes de perseverar, o poder da pura atenção pode penetrar e começar a dissipá-la. Mas provavelmente ainda teremos necessidade de a partilhar com alguém que nos possa dar atenção ou a quem pagamos para que nos dê a sua atenção. O perdão, então, avança com a retirada das nossas projeções. Depois perguntamos, interiormente, à pessoa com quem estamos em conflito, “porque me bateste”? Foi esta a pergunta que Jesus fez ao soldado que Lhe bateu durante o julgamento. Isso começa a mudar a nossa mente.
A percepção na outra pessoa abre-se e, não tarda, esse entendimento é aprofundado pela compaixão. Apenas temos de vislumbrar um pouco da dor, do tumulto na sua alma, da cruz que a pessoa que nos magoou carrega em si mesma. O desejo por vingança ou de fazê-la desaparecer da existência cede então o passo à compaixão a que chamamos perdoar os nossos inimigos.
A Quaresma é uma boa altura para fazermos um inventário da história dos nossos relacionamentos para ver se temos necessidade deste perdão. É uma época em que simplificamos. Ao fazê-lo, compreendemo-nos melhor na nossa relação com os outros. E aquilo de que normalmente fugimos pode ser encarado. Liberdade emocional, leveza de coração e uma consciência liberta são o resultado.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal