Quinta-feira da Quinta Semana
Não há muito tempo, os peritos e os especialistas estavam fora de moda. Eram rejeitados como fazendo parte do “establishment”, do sistema, e eram substituídos por “o povo”, as pessoas comuns que queriam que o seu ponto de vista fosse ouvido. Agora, em plena e global crise de saúde, que está a mudar o mundo de uma forma que nem o “establishment” nem “o povo” poderiam ter feito, os peritos têm-se tornado naqueles em quem confiamos. Confiamos neles porque, ao contrário daqueles líderes que estão a pregar a negação e a falsa esperança, estes peritos médicos, especialistas em estatística e epidemiologistas, admitem uma grande mistura de incertezas nas suas opiniões. Não se arrogam ter todas as respostas e geralmente reconhecem que esta não é a altura para apontar o dedo para culpar.
Viver com a incerteza é uma função do hemisfério direito do cérebro. Faz parte do caminho contemplativo através da vida, incluindo todas as crises da vida. Num estilo de vida não-contemplativo, onde tudo é feito até ao excesso e a uma desnecessária velocidade, saltamos de uma falsa certeza para outra. A súbita desaceleração e encerramento afecta-nos a todos – das pessoas que estão a trabalhar sozinhas nos seus computadores nos subúrbios, até àqueles que perderam o emprego e não conseguem alimentar-se a si mesmos ou à sua família, aos milhões de migrantes trabalhadores na Índia, forçados com um aviso de quatro horas de antecedência, a caminhar centenas de quilómetros até à sua aldeia natal. O sofrimento e o medo podem isolar-nos, mas podem também tornar-se uma ponte quando vemos como estamos a sentir as mesmas coisas que todas as outras pessoas. O choque é verificar o quão radical é a incerteza. Por isso, como é necessário que saibamos como viver com ela de forma sábia. O choque, também, é um sentido do tempo subitamente alterado.
Uma boa fonte de sabedoria é a regra monástica de vida do séc. VI, escrita por S. Bento, que nós adaptamos à nossa vida aqui em Bonnevaux. Bento sabia sobre incerteza: uma comunidade que ele fundou tentara envenená-lo; a grande cidade de Roma (a Washington DC dos seus dias) fora invadida e saqueada pelos bárbaros e ele vivia com um grupo de pessoas com temperamentos muito diferenciados, que poderiam voar em direções diferentes num qualquer dia – ou várias vezes ao dia. A sua principal solução para a incerteza foi criar um horário quotidiano e – com razoável flexibilidade, é claro – cumpri-lo.
Talvez esse seja o primeiro passo para muitas pessoas isoladas em casa com outras ou sozinhas: fazer um horário realista, incluindo as coisas de que necessitamos e que queremos fazer e pendurá-lo na porta do frigorífico. Olhemos para ele e vejamos se parece equilibrado. Será que representa as humanas comuns e normais – necessidades físicas, necessidades mentais e necessidades espirituais?
Ajustá-lo para reflectir as necessidades humanas básicas é o primeiro passo para ter mão no sentimento de medo e pânico que a incerteza causa e para acalmar. É um passo para curar o vírus do medo e do pânico. Ajuda-nos a ver a saúde de modo diferente, mesmo no meio duma pandemia. Quando tivermos restabelecido a ligação com o sentido do presente, iremos descobrir que essa paz – a paz que perdemos em todo esse stress – está mais perto de nós, mais profundamente em nós, do que alguma vez imagináramos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Não há muito tempo, os peritos e os especialistas estavam fora de moda. Eram rejeitados como fazendo parte do “establishment”, do sistema, e eram substituídos por “o povo”, as pessoas comuns que queriam que o seu ponto de vista fosse ouvido. Agora, em plena e global crise de saúde, que está a mudar o mundo de uma forma que nem o “establishment” nem “o povo” poderiam ter feito, os peritos têm-se tornado naqueles em quem confiamos. Confiamos neles porque, ao contrário daqueles líderes que estão a pregar a negação e a falsa esperança, estes peritos médicos, especialistas em estatística e epidemiologistas, admitem uma grande mistura de incertezas nas suas opiniões. Não se arrogam ter todas as respostas e geralmente reconhecem que esta não é a altura para apontar o dedo para culpar.
Viver com a incerteza é uma função do hemisfério direito do cérebro. Faz parte do caminho contemplativo através da vida, incluindo todas as crises da vida. Num estilo de vida não-contemplativo, onde tudo é feito até ao excesso e a uma desnecessária velocidade, saltamos de uma falsa certeza para outra. A súbita desaceleração e encerramento afecta-nos a todos – das pessoas que estão a trabalhar sozinhas nos seus computadores nos subúrbios, até àqueles que perderam o emprego e não conseguem alimentar-se a si mesmos ou à sua família, aos milhões de migrantes trabalhadores na Índia, forçados com um aviso de quatro horas de antecedência, a caminhar centenas de quilómetros até à sua aldeia natal. O sofrimento e o medo podem isolar-nos, mas podem também tornar-se uma ponte quando vemos como estamos a sentir as mesmas coisas que todas as outras pessoas. O choque é verificar o quão radical é a incerteza. Por isso, como é necessário que saibamos como viver com ela de forma sábia. O choque, também, é um sentido do tempo subitamente alterado.
Uma boa fonte de sabedoria é a regra monástica de vida do séc. VI, escrita por S. Bento, que nós adaptamos à nossa vida aqui em Bonnevaux. Bento sabia sobre incerteza: uma comunidade que ele fundou tentara envenená-lo; a grande cidade de Roma (a Washington DC dos seus dias) fora invadida e saqueada pelos bárbaros e ele vivia com um grupo de pessoas com temperamentos muito diferenciados, que poderiam voar em direções diferentes num qualquer dia – ou várias vezes ao dia. A sua principal solução para a incerteza foi criar um horário quotidiano e – com razoável flexibilidade, é claro – cumpri-lo.
Talvez esse seja o primeiro passo para muitas pessoas isoladas em casa com outras ou sozinhas: fazer um horário realista, incluindo as coisas de que necessitamos e que queremos fazer e pendurá-lo na porta do frigorífico. Olhemos para ele e vejamos se parece equilibrado. Será que representa as humanas comuns e normais – necessidades físicas, necessidades mentais e necessidades espirituais?
Ajustá-lo para reflectir as necessidades humanas básicas é o primeiro passo para ter mão no sentimento de medo e pânico que a incerteza causa e para acalmar. É um passo para curar o vírus do medo e do pânico. Ajuda-nos a ver a saúde de modo diferente, mesmo no meio duma pandemia. Quando tivermos restabelecido a ligação com o sentido do presente, iremos descobrir que essa paz – a paz que perdemos em todo esse stress – está mais perto de nós, mais profundamente em nós, do que alguma vez imagináramos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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