Quinta-feira depois das Cinzas
Estive recentemente em peregrinação na Terra Santa. Uma vez que os próximos quarenta dias podem ser vistos como uma espécie de viagem interior até ao tempo sagrado da Páscoa, pensei que poderia começar estas reflexões da Quaresma com uma ligação aos lugares santos associados com a vida de Jesus de Nazaré.
A meditação, tal como uma peregrinação física que envolve viajar, variados companheiros e uma combinação de constante mudança e estável propósito, é uma viagem no interior duma viagem. De facto, o caminho da vida é composto por caminhos para além da conta, por vezes cruzados, por vezes bloqueados, por vezes de ruptura, outras vezes frustrantes. Sempre surpreendentes. Como tudo está sempre a passar, aprendemos a ser bons peregrinos adaptando-nos à realidade, abandonando as ilusões mal cozinhadas com que, tantas vezes, tentamos lidar com a mudança. As primeiras ilusões a largar são as que são acerca de Deus.
Normalmente, imaginamos Deus como uma via acima da mudança, como um extraterrestre fora do fluxo de trânsito da História humana. Se Deus alguma vez desce ao nível humano, Ele viaja como uma pessoa poderosa, com uma escolta de motociclistas (clérigos, por exemplo), enquanto as pessoas comuns são afastadas para Ele passar. Para nos desenganar desta ideia, Deus apareceu, duma forma única e inexplicável, através duma jovem chamada Maria, numa cidade com cerca de 150 habitantes chamada Nazaré, um local remoto duma região remota, com os habitantes sempre a guerrear entre si e ocupada por uma potência pagã implacável. Há uma piada judia que diz que, se um judeu estivesse retido numa ilha deserta, construiria duas sinagogas para ter uma a que se recusaria a ir. Deus foi traduzido para humano num local demasiado humano. Uma terra santa de disputas territoriais imemoriais.
Jesus de Nazaré nasceu na classe dos artesãos. Ele trabalhava com as mãos. Os Seus ensinamentos sobre os mistérios mais profundos eram acomodados na linguagem do cultivo do campo e da vida da aldeia. Não falava em sutras abstractos, tentando verbalizar as subtilezas do divino. Usava símbolos terra-a-terra, como um tesouro enterrado num campo ou um filho mais novo extraviado que volta a casa com a cauda entre as pernas. Em vez de conceptualizar a verdade, Ele tentava, habitualmente sem sucesso, ajudar as pessoas a descobri-la por si mesmas, permitindo que ela emergisse por meio das suas próprias vidas comuns. Mais tarde, algumas pessoas compreenderam que Ele não estava a dar uma resposta, mas que encarnava a verdade. O meio era a mensagem.
Em Nazaré há uma placa de bronze no chão da casa de Maria onde (acreditem ou não) Gabriel lhe apareceu e ela disse “sim”. A placa diz: “E a Palavra fez-se Carne”. Este é um bom sentido de direcção com o qual começar a Quaresma. A língua sagrada do Cristianismo é o corpo. O meu, o vosso, o corpo de todas as pessoas. Semelhantes e únicos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Estive recentemente em peregrinação na Terra Santa. Uma vez que os próximos quarenta dias podem ser vistos como uma espécie de viagem interior até ao tempo sagrado da Páscoa, pensei que poderia começar estas reflexões da Quaresma com uma ligação aos lugares santos associados com a vida de Jesus de Nazaré.
A meditação, tal como uma peregrinação física que envolve viajar, variados companheiros e uma combinação de constante mudança e estável propósito, é uma viagem no interior duma viagem. De facto, o caminho da vida é composto por caminhos para além da conta, por vezes cruzados, por vezes bloqueados, por vezes de ruptura, outras vezes frustrantes. Sempre surpreendentes. Como tudo está sempre a passar, aprendemos a ser bons peregrinos adaptando-nos à realidade, abandonando as ilusões mal cozinhadas com que, tantas vezes, tentamos lidar com a mudança. As primeiras ilusões a largar são as que são acerca de Deus.
Normalmente, imaginamos Deus como uma via acima da mudança, como um extraterrestre fora do fluxo de trânsito da História humana. Se Deus alguma vez desce ao nível humano, Ele viaja como uma pessoa poderosa, com uma escolta de motociclistas (clérigos, por exemplo), enquanto as pessoas comuns são afastadas para Ele passar. Para nos desenganar desta ideia, Deus apareceu, duma forma única e inexplicável, através duma jovem chamada Maria, numa cidade com cerca de 150 habitantes chamada Nazaré, um local remoto duma região remota, com os habitantes sempre a guerrear entre si e ocupada por uma potência pagã implacável. Há uma piada judia que diz que, se um judeu estivesse retido numa ilha deserta, construiria duas sinagogas para ter uma a que se recusaria a ir. Deus foi traduzido para humano num local demasiado humano. Uma terra santa de disputas territoriais imemoriais.
Jesus de Nazaré nasceu na classe dos artesãos. Ele trabalhava com as mãos. Os Seus ensinamentos sobre os mistérios mais profundos eram acomodados na linguagem do cultivo do campo e da vida da aldeia. Não falava em sutras abstractos, tentando verbalizar as subtilezas do divino. Usava símbolos terra-a-terra, como um tesouro enterrado num campo ou um filho mais novo extraviado que volta a casa com a cauda entre as pernas. Em vez de conceptualizar a verdade, Ele tentava, habitualmente sem sucesso, ajudar as pessoas a descobri-la por si mesmas, permitindo que ela emergisse por meio das suas próprias vidas comuns. Mais tarde, algumas pessoas compreenderam que Ele não estava a dar uma resposta, mas que encarnava a verdade. O meio era a mensagem.
Em Nazaré há uma placa de bronze no chão da casa de Maria onde (acreditem ou não) Gabriel lhe apareceu e ela disse “sim”. A placa diz: “E a Palavra fez-se Carne”. Este é um bom sentido de direcção com o qual começar a Quaresma. A língua sagrada do Cristianismo é o corpo. O meu, o vosso, o corpo de todas as pessoas. Semelhantes e únicos.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original, em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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