Sábado da Primeira Semana da Quaresma
Os contemplativos podem não ter muitos dons para se vangloriarem, mas têm de ser bons a lidar com o demónio da acédia. Os demónios são forças semi-autónomas da psique que bloqueiam a graça. A acédia é uma força poderosa porque pode ser repelida e, no entanto, voltar quando menos se espera. Os seus sintomas são comuns: desânimo, intranquilidade, falta de esperança, desistência do trabalho de largar, de deixar ir. Isto é ser posto à prova, uma tentação recorrente para cada peregrino. De acordo com o relato de um dos evangelhos sobre os quarenta dias de Jesus no deserto, Ele foi tentado por um poderoso trio de ilusões, não se deixando enganar. Mas “o demónio deixou-o para voltar mais tarde”. Talvez tenha voltado no jardim de Getsémani.
Quando Ele estava lá nas primeiras horas da manhã do seu último dia, passou pelo medo e o estremecimento da morte e pelo abismo da solidão, mesmo quando os Seus amigos estavam a dormir profundamente bem a Seu lado. “O Meu coração está prestes a partir-se de dor”. S. Lucas, um dos evangelistas mais realistas escreve que a este ponto de exaustão, no cúmulo do desespero, um “anjo do céu apareceu trazendo-Lhe força”. Os anjos podem não ficar mas, quando conseguimos fazer face à nossa dor, eles vêm quando deles precisamos.
O nosso coração parte-se quando nos sentimos separados. Uma perda, um mal-entendido trágico, um demónio que não conseguimos mandar embora convence-nos de que estamos desesperadamente separados e excluídos: separados de tudo e todos. Seja o que for que nos liga aos outros ou ao mundo parece ser superficial e uma clara falsa consolação.
Este sentir-se despedaçado por dentro pode ser avassalador, ou pode levar à compunção do coração. A graça da compunção acontece quando mantemos o nosso coração partido aberto, apesar da tentação de negar e resistir à graça, de modo a proteger o nosso “eu” ferido com a separação do ego. A compunção rompe com a ilusão de se estar separado, a que parece mais seguro estar-se agarrado. Então, a partir do coração que se mantém aberto apesar da sua dor, a compaixão flui.
A partir do medo e do pesadelo de estarmos separados de tudo nós emergimos vendo que, fora de brincadeiras, somos uma parte do todo. Durante algum tempo, talvez umas décadas, oscilamos entre estas duas versões da realidade até se completarem os quarenta dias.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Os contemplativos podem não ter muitos dons para se vangloriarem, mas têm de ser bons a lidar com o demónio da acédia. Os demónios são forças semi-autónomas da psique que bloqueiam a graça. A acédia é uma força poderosa porque pode ser repelida e, no entanto, voltar quando menos se espera. Os seus sintomas são comuns: desânimo, intranquilidade, falta de esperança, desistência do trabalho de largar, de deixar ir. Isto é ser posto à prova, uma tentação recorrente para cada peregrino. De acordo com o relato de um dos evangelhos sobre os quarenta dias de Jesus no deserto, Ele foi tentado por um poderoso trio de ilusões, não se deixando enganar. Mas “o demónio deixou-o para voltar mais tarde”. Talvez tenha voltado no jardim de Getsémani.
Quando Ele estava lá nas primeiras horas da manhã do seu último dia, passou pelo medo e o estremecimento da morte e pelo abismo da solidão, mesmo quando os Seus amigos estavam a dormir profundamente bem a Seu lado. “O Meu coração está prestes a partir-se de dor”. S. Lucas, um dos evangelistas mais realistas escreve que a este ponto de exaustão, no cúmulo do desespero, um “anjo do céu apareceu trazendo-Lhe força”. Os anjos podem não ficar mas, quando conseguimos fazer face à nossa dor, eles vêm quando deles precisamos.
O nosso coração parte-se quando nos sentimos separados. Uma perda, um mal-entendido trágico, um demónio que não conseguimos mandar embora convence-nos de que estamos desesperadamente separados e excluídos: separados de tudo e todos. Seja o que for que nos liga aos outros ou ao mundo parece ser superficial e uma clara falsa consolação.
Este sentir-se despedaçado por dentro pode ser avassalador, ou pode levar à compunção do coração. A graça da compunção acontece quando mantemos o nosso coração partido aberto, apesar da tentação de negar e resistir à graça, de modo a proteger o nosso “eu” ferido com a separação do ego. A compunção rompe com a ilusão de se estar separado, a que parece mais seguro estar-se agarrado. Então, a partir do coração que se mantém aberto apesar da sua dor, a compaixão flui.
A partir do medo e do pesadelo de estarmos separados de tudo nós emergimos vendo que, fora de brincadeiras, somos uma parte do todo. Durante algum tempo, talvez umas décadas, oscilamos entre estas duas versões da realidade até se completarem os quarenta dias.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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