Sábado da Segunda Semana
Já não há heróis, só celebridades. Pelo menos é isso que parece, numa cultura onde projectamos perfeição sobre aqueles que colocamos num pedestal. Depois, a exposição das fraquezas humanas, da pecaminosidade ou de infracções históricas, incita a ira das multidões nos meios de comunicação social e a execução pública num cadafalso virtual. Como estão os poderosos a cair e como, secretamente, assim o revelam as vendas dos media, nos deleitamos com a sua desgraça, com a sua queda do estado de graça.
Pondo o pecado pessoal de lado por um momento, a culpa deste estado de coisas social recai sobre ambos lados. Há aqueles que criam falsos deuses e depois os idolatram. E há os ídolos que exploram os privilégios que recebem, poder, atenção, riqueza. Depois, há os ídolos que não querem os privilégios mas que passivamente alinham com a coisa. Qualquer pessoa que sinta que está sendo idolatrada tem a responsabilidade de declarar e de demonstrar que é apenas humana. Quando Cornélio caiu aos pés de Pedro e o adorou, Pedro respondeu-lhe: “Levanta-te. Sou apenas um ser humano como tu”. As suas próprias fraquezas prévias eram já, é claro, parte das suas histórias por essa altura.
Há muito de perdão, arrependimento e novos começos nas histórias da Bíblia. Mas não há personagens perfeitos. Bem, devemos dizer que existe um; mas santidade e autenticidade são termos melhores para descrevê-Lo do que perfeição, que é mais um termo matemático do que humano. A perfeição desumaniza-nos. Plenitude, humanidade integral, amorosa-gentileza, não-violência: estas são as qualidades que vemos n’Ele. Não são super-humanas nem supra-naturais mas simplesmente plenamente humanas, revelando a nossa própria verdadeira natureza. O que podemos ser e o que somos chamados a ser é a nossa verdadeira natureza. Não somos perfeitos mas podemos aspirar à plenitude.
E o que é esta esquiva plenitude, para a qual nos sentimos inelutavelmente vocacionados, através da infindável cura das nossas imperfeições em série e do falhanço em sermos nós mesmos? Liberdade face ao auto-engano, liberdade para amar no máximo da capacidade humana, inabalável claridade mental e uma delicadeza de coração levada ao grau mais vulnerável, a humildade para tentar de novo.
Moisés viu recusada a sua entrada na Terra Prometida porque a sua fé tinha fracassado uma vez e ele tinha falhado como líder. O Rei David desejava a esposa de outro homem e matou o marido para a poder ter como era sua vontade. Salomão, o Sábio, acabou os seus dias como um velho libidinoso, com mil mulheres no seu harém. Elias, o profeta, massacrou 850 dos seus opositores religiosos, depois de lhes ter mostrado a superioridade do seu Deus.
E por aí fora, até aos nossos tempos e às revelações do pecado endémico e da hipocrisia dos líderes religiosos de muitas tradições, nos quais as pessoas põem a sua fé e, talvez inconscientemente, esperavam que fossem mais perfeitos do que eram. Sem surpresa, os únicos pecadores para quem Jesus apontava zangado não eram os pecadores públicos, mas os que escondiam o seu pecado sob a sua própria persona religiosa.
A Quaresma não é um tempo para brincar a ser mais religioso, mas para purificar a nossa religiosidade, até esta se conformar melhor com a verdade sobre nós mesmos. Isto não pode ser feito, em primeira instância, em público, mas apenas no nosso quarto interior, com as portas fechadas.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Já não há heróis, só celebridades. Pelo menos é isso que parece, numa cultura onde projectamos perfeição sobre aqueles que colocamos num pedestal. Depois, a exposição das fraquezas humanas, da pecaminosidade ou de infracções históricas, incita a ira das multidões nos meios de comunicação social e a execução pública num cadafalso virtual. Como estão os poderosos a cair e como, secretamente, assim o revelam as vendas dos media, nos deleitamos com a sua desgraça, com a sua queda do estado de graça.
Pondo o pecado pessoal de lado por um momento, a culpa deste estado de coisas social recai sobre ambos lados. Há aqueles que criam falsos deuses e depois os idolatram. E há os ídolos que exploram os privilégios que recebem, poder, atenção, riqueza. Depois, há os ídolos que não querem os privilégios mas que passivamente alinham com a coisa. Qualquer pessoa que sinta que está sendo idolatrada tem a responsabilidade de declarar e de demonstrar que é apenas humana. Quando Cornélio caiu aos pés de Pedro e o adorou, Pedro respondeu-lhe: “Levanta-te. Sou apenas um ser humano como tu”. As suas próprias fraquezas prévias eram já, é claro, parte das suas histórias por essa altura.
Há muito de perdão, arrependimento e novos começos nas histórias da Bíblia. Mas não há personagens perfeitos. Bem, devemos dizer que existe um; mas santidade e autenticidade são termos melhores para descrevê-Lo do que perfeição, que é mais um termo matemático do que humano. A perfeição desumaniza-nos. Plenitude, humanidade integral, amorosa-gentileza, não-violência: estas são as qualidades que vemos n’Ele. Não são super-humanas nem supra-naturais mas simplesmente plenamente humanas, revelando a nossa própria verdadeira natureza. O que podemos ser e o que somos chamados a ser é a nossa verdadeira natureza. Não somos perfeitos mas podemos aspirar à plenitude.
E o que é esta esquiva plenitude, para a qual nos sentimos inelutavelmente vocacionados, através da infindável cura das nossas imperfeições em série e do falhanço em sermos nós mesmos? Liberdade face ao auto-engano, liberdade para amar no máximo da capacidade humana, inabalável claridade mental e uma delicadeza de coração levada ao grau mais vulnerável, a humildade para tentar de novo.
Moisés viu recusada a sua entrada na Terra Prometida porque a sua fé tinha fracassado uma vez e ele tinha falhado como líder. O Rei David desejava a esposa de outro homem e matou o marido para a poder ter como era sua vontade. Salomão, o Sábio, acabou os seus dias como um velho libidinoso, com mil mulheres no seu harém. Elias, o profeta, massacrou 850 dos seus opositores religiosos, depois de lhes ter mostrado a superioridade do seu Deus.
E por aí fora, até aos nossos tempos e às revelações do pecado endémico e da hipocrisia dos líderes religiosos de muitas tradições, nos quais as pessoas põem a sua fé e, talvez inconscientemente, esperavam que fossem mais perfeitos do que eram. Sem surpresa, os únicos pecadores para quem Jesus apontava zangado não eram os pecadores públicos, mas os que escondiam o seu pecado sob a sua própria persona religiosa.
A Quaresma não é um tempo para brincar a ser mais religioso, mas para purificar a nossa religiosidade, até esta se conformar melhor com a verdade sobre nós mesmos. Isto não pode ser feito, em primeira instância, em público, mas apenas no nosso quarto interior, com as portas fechadas.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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