Sexta-feira da Segunda Semana
Alegria no meio do desespero: uma contradição. Os paradoxos são contradições positivas através das quais a verdade se escapa das nossas preconcepções seladas e do nosso pensamento empacotado. A palavra grega para “verdade” (aletheia) significa desvendar ou aclarar. Sempre que temos a verdade embrulhada, pomo-nos a jeito para uma surpresa, às vezes agradável, outras vezes dura. Deus apanha-nos sempre de surpresa quando O ou A vemos acontecer. Captamos um lampejo duma presença imperceptível que não satisfaz os nossos desejos mas que nos faz saber que ali está.
Há alguns anos uma jovem contou-me como tinha sentido isto mesmo, duma forma tão comum que até parecia tonto falar de Deus em tudo aquilo. Ela estava numa profunda tristeza e sentia-se bastante desesperada. Um relacionamento em que ela tinha dado tudo de si tinha desabado e parecia destruído.
Ela estava entorpecida pelas ondas emocionas que a faziam sentir-se tonta, com uma sensação de irrealidade. Sentia culpa, raiva e abandono, flashes de negação e uma discussão mental tonta, uma profunda dor. Era uma agonia de morte. Morrer realmente enquanto se continua vivo é tão horrível que, compreensivelmente, surgiram pensamentos sobre escolher pôr um fim a tudo aquilo. Porque não morrer agora em vez ficar pendurada na cruz, sem nada por que esperar senão a morte?
Um dia, no caminho para o trabalho, percebeu que a sua camisola estava cheia de buracos e decidiu comprar uma nova. Numa loja, viu uma série de camisolas de que gostou. Enquanto as estava a ver, apareceu uma empregada. Como a jovem estava a ter uma recaída das suas emoções pesadas, ao mesmo tempo que observava as cores e os modelos, sentia-se irritada. Mas a empregada não se foi embora e acabou por se revelar genuinamente útil, interessada e com bom-gosto. Entre ambas, fizeram uma escolha.
Apontando os buracos da sua velha camisola, a jovem disse que poria a nova de imediato. Quando foram para pagar, a empregada, uma senhora mais velha e estrangeira, disse que, se a jovem tivesse vinte minutos disponíveis, ela reparar-lhe-ia a velha camisola gratuitamente. A jovem foi totalmente tomada de surpresa e ficou sem palavras. Menos de vinte minutos depois, a camisola estava tão bem arranjada que a jovem não conseguia ver onde tinham estados os buracos. Ofereceu dinheiro à empregada da loja que recusou com veemência. Ao mesmo tempo que procurava palavras para agradecer à senhora mais velha, as suas emoções brotaram de forma incontrolável e começou a soluçar. Olhou a senhora mais velha, apertou-lhe a mão e apressadamente saiu da loja.
Pensei nesta história há algumas semanas quando caminhava com os peregrinos, de manhã bem cedo, pela Via Dolorosa. Três vezes, no Seu caminho para a Cruz, Jesus caiu. Era tudo, física e emocionalmente, demais. Aquando da primeira queda, um homem que por ali passava e que entrou nesse dia para a História, Simão de Cirene, foi obrigado a ajudá-Lo a carregar a Cruz. A ajuda dele não pôde impedir a Crucifixão. Mas ainda lembramos a história, dois milénios mais tarde.
Sepultada no seu desespero, o que é que sentiu a jovem, surpreendida por aquela extraordinária graça duma empregada de loja? Uma estranha que sentira a avassaladora tristeza da sua cliente e fora levada, não a intrometer-se, mas a manifestar uma presença maior do que ela, num não-solicitado acto de bondade.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Alegria no meio do desespero: uma contradição. Os paradoxos são contradições positivas através das quais a verdade se escapa das nossas preconcepções seladas e do nosso pensamento empacotado. A palavra grega para “verdade” (aletheia) significa desvendar ou aclarar. Sempre que temos a verdade embrulhada, pomo-nos a jeito para uma surpresa, às vezes agradável, outras vezes dura. Deus apanha-nos sempre de surpresa quando O ou A vemos acontecer. Captamos um lampejo duma presença imperceptível que não satisfaz os nossos desejos mas que nos faz saber que ali está.
Há alguns anos uma jovem contou-me como tinha sentido isto mesmo, duma forma tão comum que até parecia tonto falar de Deus em tudo aquilo. Ela estava numa profunda tristeza e sentia-se bastante desesperada. Um relacionamento em que ela tinha dado tudo de si tinha desabado e parecia destruído.
Ela estava entorpecida pelas ondas emocionas que a faziam sentir-se tonta, com uma sensação de irrealidade. Sentia culpa, raiva e abandono, flashes de negação e uma discussão mental tonta, uma profunda dor. Era uma agonia de morte. Morrer realmente enquanto se continua vivo é tão horrível que, compreensivelmente, surgiram pensamentos sobre escolher pôr um fim a tudo aquilo. Porque não morrer agora em vez ficar pendurada na cruz, sem nada por que esperar senão a morte?
Um dia, no caminho para o trabalho, percebeu que a sua camisola estava cheia de buracos e decidiu comprar uma nova. Numa loja, viu uma série de camisolas de que gostou. Enquanto as estava a ver, apareceu uma empregada. Como a jovem estava a ter uma recaída das suas emoções pesadas, ao mesmo tempo que observava as cores e os modelos, sentia-se irritada. Mas a empregada não se foi embora e acabou por se revelar genuinamente útil, interessada e com bom-gosto. Entre ambas, fizeram uma escolha.
Apontando os buracos da sua velha camisola, a jovem disse que poria a nova de imediato. Quando foram para pagar, a empregada, uma senhora mais velha e estrangeira, disse que, se a jovem tivesse vinte minutos disponíveis, ela reparar-lhe-ia a velha camisola gratuitamente. A jovem foi totalmente tomada de surpresa e ficou sem palavras. Menos de vinte minutos depois, a camisola estava tão bem arranjada que a jovem não conseguia ver onde tinham estados os buracos. Ofereceu dinheiro à empregada da loja que recusou com veemência. Ao mesmo tempo que procurava palavras para agradecer à senhora mais velha, as suas emoções brotaram de forma incontrolável e começou a soluçar. Olhou a senhora mais velha, apertou-lhe a mão e apressadamente saiu da loja.
Pensei nesta história há algumas semanas quando caminhava com os peregrinos, de manhã bem cedo, pela Via Dolorosa. Três vezes, no Seu caminho para a Cruz, Jesus caiu. Era tudo, física e emocionalmente, demais. Aquando da primeira queda, um homem que por ali passava e que entrou nesse dia para a História, Simão de Cirene, foi obrigado a ajudá-Lo a carregar a Cruz. A ajuda dele não pôde impedir a Crucifixão. Mas ainda lembramos a história, dois milénios mais tarde.
Sepultada no seu desespero, o que é que sentiu a jovem, surpreendida por aquela extraordinária graça duma empregada de loja? Uma estranha que sentira a avassaladora tristeza da sua cliente e fora levada, não a intrometer-se, mas a manifestar uma presença maior do que ela, num não-solicitado acto de bondade.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal