Sexta-feira da Terceira Semana
Hoje, depois de uns dias fora a ensinar, voltei para Bonnevaux onde irei ficar quieto num futuro previsível. Enquanto estava fora, tomámos a decisão difícil mas necessária de suspender o calendário de retiros de Bonnevaux até vermos como se vai desenrolando a crise global de saúde. As ruas e as estações de comboio estão sossegadas. As pessoas estão diferentes. A primeira agente de segurança junto da máquina de raios-X, no aeroporto quase vazio, brincou dizendo que hoje ela me iria fazer uma saudação pessoal de boas-vindas. A pessoa depois do raios-X parecia encantada por ter alguém para investigar e aproveitou o seu lazer para esvaziar a minha mochila e segurar na mão o ilegal Kindle.
Quando nos encontramos numa crise, olhamos para o outro de forma diferente. Ela afeta-nos a todos igualmente e sabemos que nenhum de nós tem qualquer controlo sobre os acontecimentos. Esta dupla consciência inclina-nos a sermos mais amistosos em relação a estranhos. A vida desacelera. Olhamos uns para os outros de uma forma mais atenta. Tornamo-nos mais presentes. Vemo-nos nos outros e os outros em nós mesmos. Todas estas mudanças nos nossos modos de ver e de nos relacionarmos – na percepção - surpreendem-nos no início. (Claro que podemos estar ainda nervosos e com medo). Estas breves percepções podem desvanecer rapidamente e caímos de volta na irritação ou ansiedade. Mas uma crise pode também nos acordar para o como uma interrupção da vida como esta é mais do que apenas um incómodo, mais até do que um perigo. É uma possibilidade. Com o tempo irá passar (o que é que não passa?). Mas pode também ser um catalisador para uma profunda mudança de direcção de que, há muito tempo sabíamos que precisávamos, mas nunca tivemos tempo para verdadeiramente a desencadear.
O coronavírus é uma dessas crises – perigo, certamente, mas também oportunidade. A grande maioria daqueles que o apanham recuperará completamente. Mas haverá mortes e perdas e sofrimento, sendo que os mais pobres e vulneráveis são sempre os mais atingidos. Encontraremos oportunidades de ser simplesmente mais amáveis, mais simpáticos, mais reconfortantes uns para os outros, especialmente para os que estão sós e assustados. Teremos mais capacidade para controlar o nosso medo e ansiedade ao pensar nos outros, fazendo-nos descobrir que o nosso próximo é qualquer um a quem damos a nossa atenção.
Não sabemos por quanto tempo esta disrupção social da vida vai continuar. Esperemos que, um dia, ao olharmos para trás, possamos vê-la como uma “interrupção criativa”. Por muito tempo que dure, não percamos tempo. Pode tornar-se na nossa prática central da Quaresma. Estou em conversações com vários dos nossos especialistas de ensino sobre como desenvolver um programa online que se adapte às condições da crise. A maioria de nós viajará menos, talvez fique a trabalhar a partir de casa, e assim, teremos provavelmente mais tempo nas nossas mãos. Isto, pode ser assustador ao princípio porque, quando as nossas agendas estão cheias, não temos tempo para usar bem o tempo. Pomos a culpa de estarmos ocupados no nosso modo de nos ocuparmos, o que se traduz em stress.
Façamos um inventário de vida. O que é que esgotámos em nós? O que é que estamos a fazer em demasia? O que é que foi puxado para o canto? Quais são as nossas genuínas prioridades? O que faria eu hoje se plenamente sentisse quão incerta, mutável e curta pode ser a vida?
Boas questões para qualquer tempo, especialmente numa Quaresma em que a vida é interrompida por uma pandemia.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
Hoje, depois de uns dias fora a ensinar, voltei para Bonnevaux onde irei ficar quieto num futuro previsível. Enquanto estava fora, tomámos a decisão difícil mas necessária de suspender o calendário de retiros de Bonnevaux até vermos como se vai desenrolando a crise global de saúde. As ruas e as estações de comboio estão sossegadas. As pessoas estão diferentes. A primeira agente de segurança junto da máquina de raios-X, no aeroporto quase vazio, brincou dizendo que hoje ela me iria fazer uma saudação pessoal de boas-vindas. A pessoa depois do raios-X parecia encantada por ter alguém para investigar e aproveitou o seu lazer para esvaziar a minha mochila e segurar na mão o ilegal Kindle.
Quando nos encontramos numa crise, olhamos para o outro de forma diferente. Ela afeta-nos a todos igualmente e sabemos que nenhum de nós tem qualquer controlo sobre os acontecimentos. Esta dupla consciência inclina-nos a sermos mais amistosos em relação a estranhos. A vida desacelera. Olhamos uns para os outros de uma forma mais atenta. Tornamo-nos mais presentes. Vemo-nos nos outros e os outros em nós mesmos. Todas estas mudanças nos nossos modos de ver e de nos relacionarmos – na percepção - surpreendem-nos no início. (Claro que podemos estar ainda nervosos e com medo). Estas breves percepções podem desvanecer rapidamente e caímos de volta na irritação ou ansiedade. Mas uma crise pode também nos acordar para o como uma interrupção da vida como esta é mais do que apenas um incómodo, mais até do que um perigo. É uma possibilidade. Com o tempo irá passar (o que é que não passa?). Mas pode também ser um catalisador para uma profunda mudança de direcção de que, há muito tempo sabíamos que precisávamos, mas nunca tivemos tempo para verdadeiramente a desencadear.
O coronavírus é uma dessas crises – perigo, certamente, mas também oportunidade. A grande maioria daqueles que o apanham recuperará completamente. Mas haverá mortes e perdas e sofrimento, sendo que os mais pobres e vulneráveis são sempre os mais atingidos. Encontraremos oportunidades de ser simplesmente mais amáveis, mais simpáticos, mais reconfortantes uns para os outros, especialmente para os que estão sós e assustados. Teremos mais capacidade para controlar o nosso medo e ansiedade ao pensar nos outros, fazendo-nos descobrir que o nosso próximo é qualquer um a quem damos a nossa atenção.
Não sabemos por quanto tempo esta disrupção social da vida vai continuar. Esperemos que, um dia, ao olharmos para trás, possamos vê-la como uma “interrupção criativa”. Por muito tempo que dure, não percamos tempo. Pode tornar-se na nossa prática central da Quaresma. Estou em conversações com vários dos nossos especialistas de ensino sobre como desenvolver um programa online que se adapte às condições da crise. A maioria de nós viajará menos, talvez fique a trabalhar a partir de casa, e assim, teremos provavelmente mais tempo nas nossas mãos. Isto, pode ser assustador ao princípio porque, quando as nossas agendas estão cheias, não temos tempo para usar bem o tempo. Pomos a culpa de estarmos ocupados no nosso modo de nos ocuparmos, o que se traduz em stress.
Façamos um inventário de vida. O que é que esgotámos em nós? O que é que estamos a fazer em demasia? O que é que foi puxado para o canto? Quais são as nossas genuínas prioridades? O que faria eu hoje se plenamente sentisse quão incerta, mutável e curta pode ser a vida?
Boas questões para qualquer tempo, especialmente numa Quaresma em que a vida é interrompida por uma pandemia.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal