Terça-feira da Semana Santa
O evangelho de hoje (Jo 13:21-33; 36-38) é muito estranho. É um momento misterioso na história que está nos absorvendo esta semana, uma história na qual se espera que nos encontremos a nós mesmos. Se não nos encontrarmos nesta história, também não encontraremos Jesus.
Ele está a cear e cai numa “profunda agitação de espírito”. Não está a aproximar-se do fim da Sua vida com tranquilo estoicismo. Mas também não está a entrar em pânico. Filosoficamente, a morte é algo que podemos objectificar, distanciar de nós mesmos. Está por aí, algo que afecta outros. Mas, como nos mostrou a presente crise, não está aí fora. Agora ou mais tarde, ela vem ter com todos nós. É melhor estar preparado e que melhor forma de o fazer do que a prática de morrer? Um caminho espiritual não nos isola em segurança acima do duro facto da nossa mortalidade. Jesus tremeu perante ela. Mas a oração profunda mostra-nos o que a morte, essa grande desconhecida, realmente é. A meditação quer creiamos quer não, é oração profunda.
Alcançamos um vislumbre da mente de Jesus sempre que vemos, em nós mesmos, como a meditação nos torna ao mesmo tempo mais sensíveis e vulneráveis ao sofrimento, mas também nos liberta do instinto de ripostar àqueles que nos magoam. O sofrimento vem sob muitas formas: neste momento da história, está na dor mais crua duma íntima traição, a morte do amor.
Jesus diz aos discípulos directamente que um deles O irá trair. Eles ficam confusos e começam a murmurar entre eles quem poderá ser. Pedro pede a João, o discípulo mais íntimo de Jesus, que estava reclinado ao Seu lado, para Lhe perguntar quem é que iria ser. Jesus acede; como amigo íntimo Ele partilha tudo. Dá um pedaço de pão a Judas, significando que ele é aquele cujo nome será para sempre amaldiçoado na história depois desta noite.
Nesse instante, “Satã entra em Judas”. Esta é uma negra inversão do que deveria acontecer. O pão que Jesus deu a Judas é o mesmo com que Jesus Se identificou: “isto é o Meu corpo”. Dando o pão dá-Se a Si mesmo, como todo o cristão que celebra a Eucaristia de alguma forma o sente. Mas Satã? Subitamente, porém, isto torna-se como uma missa negra, do tipo que celebram os satanistas. Não o receber da sagrada comunhão mas blasfémia, o soltar da negra perversão da autodestruição.
O coração humano é bom, Divino. As pessoas oferecem-se a si mesmas, como as 600.000 que no Reino Unido recentemente em 24 horas se voluntariaram para auxiliar os outros durante a crise. Mas há também um coração da escuridão com o qual teremos de contar. Há estilhaços desta escuridão em cada um de nós. Nos seres humanos, até mesmo entre aqueles que são íntimos, a escuridão pode tornar-se pessoal e consciente: as pessoas que tossiram na cara do polícia que lhes disse que estavam a quebrar as regras do distanciamento social; o pedófilo que prepara as suas vítimas; o assassino em série; o viciado; aqueles a quem o poder ou a riqueza corromperam.
A mesma escuridão está à espera, inconscientemente e impessoalmente, nos biliões de vírus da Covid-19 que poderiam caber no espaço deste ponto final. Não sabemos grande coisa sobre o vírus ou sobre o porquê de Judas ter traído o seu mestre e amigo. A escuridão é escura. O evangelho diz que, quando Judas saiu da mesa para trair Jesus, “a noite caiu”.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
O evangelho de hoje (Jo 13:21-33; 36-38) é muito estranho. É um momento misterioso na história que está nos absorvendo esta semana, uma história na qual se espera que nos encontremos a nós mesmos. Se não nos encontrarmos nesta história, também não encontraremos Jesus.
Ele está a cear e cai numa “profunda agitação de espírito”. Não está a aproximar-se do fim da Sua vida com tranquilo estoicismo. Mas também não está a entrar em pânico. Filosoficamente, a morte é algo que podemos objectificar, distanciar de nós mesmos. Está por aí, algo que afecta outros. Mas, como nos mostrou a presente crise, não está aí fora. Agora ou mais tarde, ela vem ter com todos nós. É melhor estar preparado e que melhor forma de o fazer do que a prática de morrer? Um caminho espiritual não nos isola em segurança acima do duro facto da nossa mortalidade. Jesus tremeu perante ela. Mas a oração profunda mostra-nos o que a morte, essa grande desconhecida, realmente é. A meditação quer creiamos quer não, é oração profunda.
Alcançamos um vislumbre da mente de Jesus sempre que vemos, em nós mesmos, como a meditação nos torna ao mesmo tempo mais sensíveis e vulneráveis ao sofrimento, mas também nos liberta do instinto de ripostar àqueles que nos magoam. O sofrimento vem sob muitas formas: neste momento da história, está na dor mais crua duma íntima traição, a morte do amor.
Jesus diz aos discípulos directamente que um deles O irá trair. Eles ficam confusos e começam a murmurar entre eles quem poderá ser. Pedro pede a João, o discípulo mais íntimo de Jesus, que estava reclinado ao Seu lado, para Lhe perguntar quem é que iria ser. Jesus acede; como amigo íntimo Ele partilha tudo. Dá um pedaço de pão a Judas, significando que ele é aquele cujo nome será para sempre amaldiçoado na história depois desta noite.
Nesse instante, “Satã entra em Judas”. Esta é uma negra inversão do que deveria acontecer. O pão que Jesus deu a Judas é o mesmo com que Jesus Se identificou: “isto é o Meu corpo”. Dando o pão dá-Se a Si mesmo, como todo o cristão que celebra a Eucaristia de alguma forma o sente. Mas Satã? Subitamente, porém, isto torna-se como uma missa negra, do tipo que celebram os satanistas. Não o receber da sagrada comunhão mas blasfémia, o soltar da negra perversão da autodestruição.
O coração humano é bom, Divino. As pessoas oferecem-se a si mesmas, como as 600.000 que no Reino Unido recentemente em 24 horas se voluntariaram para auxiliar os outros durante a crise. Mas há também um coração da escuridão com o qual teremos de contar. Há estilhaços desta escuridão em cada um de nós. Nos seres humanos, até mesmo entre aqueles que são íntimos, a escuridão pode tornar-se pessoal e consciente: as pessoas que tossiram na cara do polícia que lhes disse que estavam a quebrar as regras do distanciamento social; o pedófilo que prepara as suas vítimas; o assassino em série; o viciado; aqueles a quem o poder ou a riqueza corromperam.
A mesma escuridão está à espera, inconscientemente e impessoalmente, nos biliões de vírus da Covid-19 que poderiam caber no espaço deste ponto final. Não sabemos grande coisa sobre o vírus ou sobre o porquê de Judas ter traído o seu mestre e amigo. A escuridão é escura. O evangelho diz que, quando Judas saiu da mesa para trair Jesus, “a noite caiu”.
Reflexões para a Quaresma 2020 - LAURENCE FREEMAN OSB
Texto original , em inglês: aqui
https://laurencefreeman.me/category/lent-reflections-2020/
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
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