
Quaresma 2021 – Sábado da Segunda Semana
(Evangelho: Lc 15 1-32. Enquanto ainda estava bem longe o pai viu-o e apiedou-se)
Temporariamente retido em Londres, no meu regresso a Bonnevaux, fui a um supermercado para comprar comida. Trazia posto o escudo da minha máscara e empunhava a espada do distanciamento social como os outros soldados rasos passando pelo deserto da Covid. Ao entrar, uma senhora com três crianças a reboque e empurrando um carrinho cheio passou por mim com ar de desafio, sem máscara e, bem, o que é isso do distanciamento social com três crianças pequenas numa pandemia?
Ela chamou a minha atenção, não por estar a desobedecer às regras, mas porque senti que o desafio era o sinal, não a causa, da sua desobediência. Nos seus olhos e atitude, senti medo, um medo mais profundo do que o da transmissão dum vírus. Talvez ela, como tantas pessoas nos grupos de mais baixos rendimentos, estivesse presa ao medo de não ser capaz de se aguentar e de falhar na mais preciosa das suas responsabilidades. Desafiar pode ser uma forma de evitar que o medo se transforme em pânico.
As Madres e os Padres do Deserto entendiam que iam para o deserto voluntariamente – ou que “eram conduzidos” a isso como Jesus – sabendo perfeitamente que iam enfrentar animais selvagens. Estas forças poderosas iriam rodear e atacar, retirar-se e atacar de novo. Forças maiores iriam chegar para os ajudar a lidar com a luta consigo próprios; mas avisavam os recém-chegados que não esperassem uma vitória rápida e fácil. A paz que eles buscavam podia realmente ser saboreada. Era ela própria uma força poderosa e não uma miragem. Mas manter-se nela permanentemente não é fácil.
O medo é natural, uma consciência de qualquer coisa que nos possa fazer mal ou àqueles que amamos e de quem cuidamos. A ansiedade é um medo vazio contínuo que procura razões para existir. Quer seja específico ou vago, o medo é um animal selvagem que destrói a paz e arresta a nossa capacidade para dar ou receber amor. Dar-lhe nome é necessário. No entanto, é difícil conseguir que a espécie humana ou qualquer dos seus membros individuais fique livre da paranoia, por exemplo, apenas por nomeá-la. Não admira que a injunção “não tenhais medo” seja um mantra repetido 365 vezes na Bíblia. Não há dia em que não sintamos algum medo.
Qual é a cura? Deveria eu ter dito à senhora sem máscara: “Deus ama-a”? Talvez. Mas o remédio tradicional é o temor a Deus. Há uma diferença da máxima importância entre o medo quotidiano e involuntário e o temor a Deus. Precisamos de aprender como temer a Deus. “Vinde, meus filhos, escutai-me e eu vos ensinarei o temor do Senhor.” Como dizia o grande Santo Hilário de Poitiers, este é aprendido pela obediência, pela santidade e pelo conhecimento da verdade. E, portanto, o temor a Deus consiste totalmente no amor e apenas o amor perfeito espanta o medo e domina o animal selvagem.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
original: AQUI
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
(Evangelho: Lc 15 1-32. Enquanto ainda estava bem longe o pai viu-o e apiedou-se)
Temporariamente retido em Londres, no meu regresso a Bonnevaux, fui a um supermercado para comprar comida. Trazia posto o escudo da minha máscara e empunhava a espada do distanciamento social como os outros soldados rasos passando pelo deserto da Covid. Ao entrar, uma senhora com três crianças a reboque e empurrando um carrinho cheio passou por mim com ar de desafio, sem máscara e, bem, o que é isso do distanciamento social com três crianças pequenas numa pandemia?
Ela chamou a minha atenção, não por estar a desobedecer às regras, mas porque senti que o desafio era o sinal, não a causa, da sua desobediência. Nos seus olhos e atitude, senti medo, um medo mais profundo do que o da transmissão dum vírus. Talvez ela, como tantas pessoas nos grupos de mais baixos rendimentos, estivesse presa ao medo de não ser capaz de se aguentar e de falhar na mais preciosa das suas responsabilidades. Desafiar pode ser uma forma de evitar que o medo se transforme em pânico.
As Madres e os Padres do Deserto entendiam que iam para o deserto voluntariamente – ou que “eram conduzidos” a isso como Jesus – sabendo perfeitamente que iam enfrentar animais selvagens. Estas forças poderosas iriam rodear e atacar, retirar-se e atacar de novo. Forças maiores iriam chegar para os ajudar a lidar com a luta consigo próprios; mas avisavam os recém-chegados que não esperassem uma vitória rápida e fácil. A paz que eles buscavam podia realmente ser saboreada. Era ela própria uma força poderosa e não uma miragem. Mas manter-se nela permanentemente não é fácil.
O medo é natural, uma consciência de qualquer coisa que nos possa fazer mal ou àqueles que amamos e de quem cuidamos. A ansiedade é um medo vazio contínuo que procura razões para existir. Quer seja específico ou vago, o medo é um animal selvagem que destrói a paz e arresta a nossa capacidade para dar ou receber amor. Dar-lhe nome é necessário. No entanto, é difícil conseguir que a espécie humana ou qualquer dos seus membros individuais fique livre da paranoia, por exemplo, apenas por nomeá-la. Não admira que a injunção “não tenhais medo” seja um mantra repetido 365 vezes na Bíblia. Não há dia em que não sintamos algum medo.
Qual é a cura? Deveria eu ter dito à senhora sem máscara: “Deus ama-a”? Talvez. Mas o remédio tradicional é o temor a Deus. Há uma diferença da máxima importância entre o medo quotidiano e involuntário e o temor a Deus. Precisamos de aprender como temer a Deus. “Vinde, meus filhos, escutai-me e eu vos ensinarei o temor do Senhor.” Como dizia o grande Santo Hilário de Poitiers, este é aprendido pela obediência, pela santidade e pelo conhecimento da verdade. E, portanto, o temor a Deus consiste totalmente no amor e apenas o amor perfeito espanta o medo e domina o animal selvagem.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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