
Páscoa 2021 - Sexta-feira Santa
(Evangelho: Jo 18:1-19:42 Depois de tomar o vinagre, Jesus disse: “Tudo está consumado”.)
Se a língua sagrada do Cristianismo é o corpo, o que acontece quando o corpo morre? Quem já esteve com alguém que amava, quando o espírito deixou o seu corpo, conhece aquele sentimento súbito, horrível e espantoso de ausência e separação. O que até aí era uma linguagem viva expressando uma pessoa viva, ainda que com um fio de vida, está agora silencioso e quieto. Mas não é o silêncio ou a quietude da meditação ou daqueles momentos de comunhão em amor, quando a linguagem do corpo expressava perfeitamente a mente e os sentimentos.
A pessoa que morreu e começou uma nova viagem tem uma nova linguagem corporal e a separação parece absoluta e final. Temos memórias, relíquias, histórias, sonhos, talvez resquícios de experiências psicológicas. São preciosos e carregados de significado, mas intensificam a sensação de separação, mesmo quando começamos a arrumá-los e ordená-los.
O impensável mas demasiado óbvio destino da velha forma que fica para trás não está nas nossas mãos, dele se ocupando os profissionais ou um funeral imediato. Tudo o que o corpo vivo irradiava relativo à maravilha dum ser humano vivo está, agora, num imparável processo de redução à materialidade. A beleza e a maravilha da pele que se estica, respira, cora, comunica, cheira e toca, que elasticamente envolve tudo o que está dentro de nós, desapareceu para sempre. Ao desaparecer a linguagem do corpo de alguém único torna-se só mais um corpo.
Tudo o que dá significado à vida é minado pela morte. Se não conseguirmos compreender a morte, a vida não fará sentido. Tudo aquilo por que a morte faz passar os sobreviventes pode ser visto na morte e no sepultamento de Jesus. Os detalhes são quase demasiado realistas: a descida da cruz, a presença da Sua Mãe e dos Seus discípulos amados, Maria e João, os rituais de deposição no túmulo e o ritual final da unção, que teve de ser adiado por razões religiosas. Tudo está num vazio que não pode ser evitado. Encontrar sentido é tudo o que nos resta, mas como? Mesmo depois da Ressurreição, a Igreja debatia-se para explicar o propósito da Cruz. A explicação mais fácil e menos satisfatória foi a “expiação”: Deus exigiu um sacrifício humano para expiar o pecado de Adão. É como pedir a um contabilista para avaliar o valor da vida.
O significado da Sua morte está na razão por que foi rejeitado. (Oficialmente, por blasfémia.) Mas o que é que acontece quando recusamos um dom porque aceita-lo exige uma transformação demasiado grande da forma como vemos o mundo e vivemos nele? É habitualmente um dom de amor maior do que o que conseguimos aguentar, o que rejeitamos. A força da rejeição e a liberdade pura do dom oferecido são viradas contra o dador. O amor rejeitado despoleta o ódio.
Jesus estava disposto a ser rejeitado (“Ele submeteu-se à morte e morte de cruz”) porque a Sua forma de morrer mostraria a plena natureza do dom que estava a oferecer. Recusou-se a acreditar na rejeição e por isso o dom continuou a ser oferecido. A Cruz, assim, não é um sinal de punição divina, mas de infinito perdão. Quando rejeitamos um dom, a rejeição faz ricochete em nós horrivelmente, com vergonha, negação e culpa. Mas e se virmos que o dador não foi destruído e não procura vingança? O pleno significado torna-se visível num novo corpo.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
(Evangelho: Jo 18:1-19:42 Depois de tomar o vinagre, Jesus disse: “Tudo está consumado”.)
Se a língua sagrada do Cristianismo é o corpo, o que acontece quando o corpo morre? Quem já esteve com alguém que amava, quando o espírito deixou o seu corpo, conhece aquele sentimento súbito, horrível e espantoso de ausência e separação. O que até aí era uma linguagem viva expressando uma pessoa viva, ainda que com um fio de vida, está agora silencioso e quieto. Mas não é o silêncio ou a quietude da meditação ou daqueles momentos de comunhão em amor, quando a linguagem do corpo expressava perfeitamente a mente e os sentimentos.
A pessoa que morreu e começou uma nova viagem tem uma nova linguagem corporal e a separação parece absoluta e final. Temos memórias, relíquias, histórias, sonhos, talvez resquícios de experiências psicológicas. São preciosos e carregados de significado, mas intensificam a sensação de separação, mesmo quando começamos a arrumá-los e ordená-los.
O impensável mas demasiado óbvio destino da velha forma que fica para trás não está nas nossas mãos, dele se ocupando os profissionais ou um funeral imediato. Tudo o que o corpo vivo irradiava relativo à maravilha dum ser humano vivo está, agora, num imparável processo de redução à materialidade. A beleza e a maravilha da pele que se estica, respira, cora, comunica, cheira e toca, que elasticamente envolve tudo o que está dentro de nós, desapareceu para sempre. Ao desaparecer a linguagem do corpo de alguém único torna-se só mais um corpo.
Tudo o que dá significado à vida é minado pela morte. Se não conseguirmos compreender a morte, a vida não fará sentido. Tudo aquilo por que a morte faz passar os sobreviventes pode ser visto na morte e no sepultamento de Jesus. Os detalhes são quase demasiado realistas: a descida da cruz, a presença da Sua Mãe e dos Seus discípulos amados, Maria e João, os rituais de deposição no túmulo e o ritual final da unção, que teve de ser adiado por razões religiosas. Tudo está num vazio que não pode ser evitado. Encontrar sentido é tudo o que nos resta, mas como? Mesmo depois da Ressurreição, a Igreja debatia-se para explicar o propósito da Cruz. A explicação mais fácil e menos satisfatória foi a “expiação”: Deus exigiu um sacrifício humano para expiar o pecado de Adão. É como pedir a um contabilista para avaliar o valor da vida.
O significado da Sua morte está na razão por que foi rejeitado. (Oficialmente, por blasfémia.) Mas o que é que acontece quando recusamos um dom porque aceita-lo exige uma transformação demasiado grande da forma como vemos o mundo e vivemos nele? É habitualmente um dom de amor maior do que o que conseguimos aguentar, o que rejeitamos. A força da rejeição e a liberdade pura do dom oferecido são viradas contra o dador. O amor rejeitado despoleta o ódio.
Jesus estava disposto a ser rejeitado (“Ele submeteu-se à morte e morte de cruz”) porque a Sua forma de morrer mostraria a plena natureza do dom que estava a oferecer. Recusou-se a acreditar na rejeição e por isso o dom continuou a ser oferecido. A Cruz, assim, não é um sinal de punição divina, mas de infinito perdão. Quando rejeitamos um dom, a rejeição faz ricochete em nós horrivelmente, com vergonha, negação e culpa. Mas e se virmos que o dador não foi destruído e não procura vingança? O pleno significado torna-se visível num novo corpo.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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