
Jesus perturba-nos ao dizer que os ricos não podem entrar no Reino. Ramana Maharshi diz o mesmo – e, de modo similar perturba o nosso sentido dos valores – sobre a aprendizagem.
Com o termo yoga, nas sua palavras que se seguem, ele não se refere apenas ao exercício físico do yoga, mas a uma ciência de vida integral que abraça o corpo, a mente e o espírito, a moral e o entendimento:
Para a prática do yoga, a aprendizagem académica é tanto um impedimento para um erudito como os apegos familiares o são para um leigo. A mera aprendizagem académica reduz uma pessoa à condição de uma máquina reprodutora, se ela não procurar transcender o karma. Os que não são eruditos são salvos de muitos males dos quais os eruditos se tornam vítimas.
Os talibãs poderiam seletivamente citar estas afirmações para justificar a sua recusa em escolarizar as raparigas. Os que pensam que o celibato clerical é um estado mais elevado do que o matrimónio também poderiam usar erradamente a referência aos apegos familiares. Este não é o seu significado. Procurar transcender o karma, irromper em brasa pela teia do passado, controlando o presente e o futuro, significa ter uma prática contemplativa. Sem isso, os assuntos da vida comum e do conhecimento intelectual tornam-se obstáculos no caminho da consciência unificada.
Ele está a mostrar como muita erudição e uma abordagem essencialmente intelectual ao caminho espiritual se tornam impedimentos, tal como pode suceder com a riqueza material. Uma grande fortuna pode isolar-nos, ao tornar-nos desconfiados e medrosos. A cultura livresca e as ideias podem enganar-nos e fazer-nos pensar que sabemos mais da verdade do que realmente sabemos. Podem até construir uma catedral erudita de pensamento que é, na realidade, apenas mais um sósia do verdadeiro conhecimento derrubado um dia pelo vento da experiência.
Não temos de esvaziar previamente a nossa conta bancária, a cada vez, antes de meditarmos. Iremos acabar por pensar de modo diferente sobre os nossos bens, se investirmos tudo na pobreza em espírito, duas vezes ao dia. Porém, somos chamados “a renunciar a todas as riquezas do pensamento e da imaginação” (João Cassiano), cada vez que meditamos. O mantra é como a pedrinha na fisga de David que venceu o Golias do ego.
É por isso que a pobreza em espírito – o radical desapego de nós mesmos – é um mais profundo e pleno processo de transformação do que qualquer coisa que possamos fazer ao nível material. Este é o coração da Quaresma. Nada saber, e o nosso relacionamento com o que possuímos ou com o nosso estatuto social será transformado.
Nada tenho. Nada quero. Nada sei. Assim cantava um místico itinerante inglês, Richard Rolle, no séc. XIV. Quantos centros de poder altamente defendidos no mundo, políticos ou intelectuais, pode esta canção penetrar?
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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