
Segunda-feira da Quarta Semana da Quaresma
Havia um homem que se sentia avassalado pelas “dez mil coisas” de que falava Lao Tse – e que todos os meditantes conhecem – que andam a correr na mente. Algumas destas coisas eram de muito pequena importância, mas, mesmo assim, podiam ser muito irritantes. Ele sentia um acesso de ira desproporcionada quando, por exemplo, o seu telemóvel ficava sem bateria a meio duma conversa ou até quando deixava cair o sabonete ao chão, no seu duche matinal, e tinha de molhar o cabelo antes da altura em que o fazia normalmente na sua rotina de lavagem. Quando um empregado de mesa se esqueceu do que ele tinha pedido e teve de voltar atrás, um minuto depois, para lhe pedir para repetir, ele sentiu-se inundado pela ira e pela tristeza. Não tinha a certeza donde provinha a tristeza, mas não gostava, realmente, de ver quanta raiva tinha.
Ele conseguia um distanciamento suficiente para diagnosticar a doença moderna do stress. Sabia que ainda era uma pessoa bastante simpática. Ajudava amavelmente as pessoas que estavam perdidas numa estação de comboio, mas, poucos minutos depois, podia ter vontade de empurrar outra pessoa se esta estivesse a empurrar grosseiramente à sua frente. Não sabia o que fazer.
Resolveu dar atenção aos pequenos detalhes da vida e garantir que estavam perfeitos. Desta forma, reduziria as ocasiões para surgir stress. Tinha calculado quanto tempo por semana passava a corrigir a ortografia dos emails ou das mensagens que escrevia. Isso fazia-o sentir que a sua vida estava a fugir-lhe em infinitas e irritantes trivialidades. Isso lembrava-lhe um cano roto na sua casa de banho que ele estava sempre a esquecer-se de mandar arranjar. Telefonou ao canalizador que lhe disse que estava muito ocupado, mas lhe retribuiria a chamada, e isso só aumentou a sensação do homem de que tudo estava a entrar em colapso.
Via as imagens de destruição de cidades e de casas na Ucrânia e sentia algo como se isso estivesse a acontecer dentro da sua mente. E, então, culpava-se por comparar algo tão monumentalmente trágico com as suas próprias preocupações mesquinhas. Essa culpa e o sentimento de tontice só aumentava a sua visão da vida como uma bola de stress em expansão imparável.
Decidiu ficar extra consciente de todas as ocasiões em que sentia stress e a sua tristeza curiosamente profunda. Acrescentou muitas outras pequenas coisas à sua escrita mais cuidada. O seu repertório de perfeição crescia a cada dia. “Se conseguir alcançar o controlo sobre estes detalhes”, pensava ele, “sentir-me-ei melhor em relação às questões maiores”.
Durante algum tempo, isto parecia estar a resultar e ele sentia um melhor nível de calma e de autodomínio. Então, certa manhã, quando devia sair cedo para uma reunião muito importante, não acordou a tempo e faltou, porque se tinha esquecido de ligar o despertador. Sentiu as forças do caos, a que ele tinha estado a tentar resistir, irromperem pelas suas defesas e sentiu que já não tinha domínio sobre si mesmo. Sabia que isto era desproporcionado, mas o que sentia era o que sentia.
Então, no pior momento do seu sentimento de impotência e fracasso, ocorreu-lhe. Num momento de clareza, como se vislumbrasse o céu azul por entre nuvens de tempestade, viu o que devia fazer. E tenho gosto em dizer-vos que o fez.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
Havia um homem que se sentia avassalado pelas “dez mil coisas” de que falava Lao Tse – e que todos os meditantes conhecem – que andam a correr na mente. Algumas destas coisas eram de muito pequena importância, mas, mesmo assim, podiam ser muito irritantes. Ele sentia um acesso de ira desproporcionada quando, por exemplo, o seu telemóvel ficava sem bateria a meio duma conversa ou até quando deixava cair o sabonete ao chão, no seu duche matinal, e tinha de molhar o cabelo antes da altura em que o fazia normalmente na sua rotina de lavagem. Quando um empregado de mesa se esqueceu do que ele tinha pedido e teve de voltar atrás, um minuto depois, para lhe pedir para repetir, ele sentiu-se inundado pela ira e pela tristeza. Não tinha a certeza donde provinha a tristeza, mas não gostava, realmente, de ver quanta raiva tinha.
Ele conseguia um distanciamento suficiente para diagnosticar a doença moderna do stress. Sabia que ainda era uma pessoa bastante simpática. Ajudava amavelmente as pessoas que estavam perdidas numa estação de comboio, mas, poucos minutos depois, podia ter vontade de empurrar outra pessoa se esta estivesse a empurrar grosseiramente à sua frente. Não sabia o que fazer.
Resolveu dar atenção aos pequenos detalhes da vida e garantir que estavam perfeitos. Desta forma, reduziria as ocasiões para surgir stress. Tinha calculado quanto tempo por semana passava a corrigir a ortografia dos emails ou das mensagens que escrevia. Isso fazia-o sentir que a sua vida estava a fugir-lhe em infinitas e irritantes trivialidades. Isso lembrava-lhe um cano roto na sua casa de banho que ele estava sempre a esquecer-se de mandar arranjar. Telefonou ao canalizador que lhe disse que estava muito ocupado, mas lhe retribuiria a chamada, e isso só aumentou a sensação do homem de que tudo estava a entrar em colapso.
Via as imagens de destruição de cidades e de casas na Ucrânia e sentia algo como se isso estivesse a acontecer dentro da sua mente. E, então, culpava-se por comparar algo tão monumentalmente trágico com as suas próprias preocupações mesquinhas. Essa culpa e o sentimento de tontice só aumentava a sua visão da vida como uma bola de stress em expansão imparável.
Decidiu ficar extra consciente de todas as ocasiões em que sentia stress e a sua tristeza curiosamente profunda. Acrescentou muitas outras pequenas coisas à sua escrita mais cuidada. O seu repertório de perfeição crescia a cada dia. “Se conseguir alcançar o controlo sobre estes detalhes”, pensava ele, “sentir-me-ei melhor em relação às questões maiores”.
Durante algum tempo, isto parecia estar a resultar e ele sentia um melhor nível de calma e de autodomínio. Então, certa manhã, quando devia sair cedo para uma reunião muito importante, não acordou a tempo e faltou, porque se tinha esquecido de ligar o despertador. Sentiu as forças do caos, a que ele tinha estado a tentar resistir, irromperem pelas suas defesas e sentiu que já não tinha domínio sobre si mesmo. Sabia que isto era desproporcionado, mas o que sentia era o que sentia.
Então, no pior momento do seu sentimento de impotência e fracasso, ocorreu-lhe. Num momento de clareza, como se vislumbrasse o céu azul por entre nuvens de tempestade, viu o que devia fazer. E tenho gosto em dizer-vos que o fez.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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