
Segunda-feira da Terceira Semana
Muitos ucranianos que falam russo e têm uma base de dados de números de telefone na Rússia estão a fazer chamadas aleatoriamente para falar com quem quer que atenda sobre o cada vez mais aterrador pesadelo que faz parte da nossa Quaresma deste ano.
A maioria desliga, assim que ouve um sotaque estrangeiro. Outros envolvem-se cautelosamente com os que chamam, os quais tentam ainda mais cautelosamente começar uma conversa. Muitas vezes ouvem as frases político-partidárias com que o Kremlin ocupou os órgãos de comunicação social: isto começou com os ucranianos, eles estão a bombardear as nossas cidades, o Presidente Putin está a proteger-nos, a Rússia apenas usa a força defensivamente, nós apoiamos a operação.
Os interlocutores ucranianos sabem que não vale a pena dizer “vocês estão enganados, fizeram-vos uma lavagem ao cérebro”. Em vez disso, eles aprendem a escutar. E a fazer perguntas. Na maioria dos casos, a tentativa de conversação não dura muito. Nenhuma conversa pode fluir a não ser que ambos os lados se arrisquem a escutar. Escutar significa estar preparado para ver a questão a partir do ponto de vista do outro. Fazer isto é perigoso num estado autoritário que pune a dissidência. Mas também coloca em perigo o sentimento da própria identidade: deixar o ‘eu’ (self) para trás, abrir mão daquilo que você pensa que é. Os meditantes arriscam isso todos os dias.
Tentar mudar a mentalidade alheia sem sofrer pacientemente a rejeição da sua oferta para escutar é outra espécie de lavagem ao cérebro. Os prisioneiros da última guerra fria eram muitas vezes submetidos a lavagens cerebrais ideológicas antes de serem libertados. Depois tinham que ser recuperados. É como uma perigosa cirurgia cerebral. Invadir e ocupar as mentes dos outros é como a violenta invasão e colonização de um estado soberano. A Rússia está a tentar isto mesmo na Ucrânia e a China conseguiu-o no Tibete.
Ocupar um território é inseparável de procurar ocupar o seu espaço mental. Ambos profanam o ser humano e atacam a civilização. Se forem bem sucedidos, será através de um regime de medo. A resistência mais poderosa a uma ocupação alienígena consiste em continuar a fazer perguntas. Não podemos mudar o esquema mental das pessoas. Mas podemos abrir os seus corações ao abrirmos os nossos a elas: através de perguntas que mostram um caminho não-violento para a verdade.
Também precisamos de nos fazer perguntas a nós próprios. Fui eu enganado? O nosso modo de vida de consumismo ocidental é construído numa forma de engano chamada publicidade. Tem ocupado muitos domínios da vida particularmente visíveis naqueles políticos que se comercializam a si próprios e se recusam descaradamente a escutar as perguntas que lhes são dirigidas. Também tenho conhecido muitos cristãos de berço que precisam de ser des-programados de uma força ocupante de crenças na sua infância: um Deus castigador, a rejeição de outras fés, a criminalização da identidade sexual ou a manipulação através da culpa. Só depois de serem descondicionados de tudo isto é que podem revisitar a pura essência do que lhes foi ensinado e decidir por eles mesmos.
Tais comparações requerem perspetiva e senso comum. Mas se não nos colocarmos perguntas radicais acerca da nossa assumida liberdade, como poderemos ajudar os outros? O prisioneiro torna-se o carcereiro até ser libertado. Escutar as perguntas que libertam a própria verdade que nos liberta não é apenas conversa e troca de ideias. Também se alcança – e talvez de forma mais poderosa deste modo, para aqueles que arriscam – através do hábito de se banhar no silêncio interior.
Abandonar todas as palavras e pensamentos lava a mente num diferente e melhor sentido.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
Muitos ucranianos que falam russo e têm uma base de dados de números de telefone na Rússia estão a fazer chamadas aleatoriamente para falar com quem quer que atenda sobre o cada vez mais aterrador pesadelo que faz parte da nossa Quaresma deste ano.
A maioria desliga, assim que ouve um sotaque estrangeiro. Outros envolvem-se cautelosamente com os que chamam, os quais tentam ainda mais cautelosamente começar uma conversa. Muitas vezes ouvem as frases político-partidárias com que o Kremlin ocupou os órgãos de comunicação social: isto começou com os ucranianos, eles estão a bombardear as nossas cidades, o Presidente Putin está a proteger-nos, a Rússia apenas usa a força defensivamente, nós apoiamos a operação.
Os interlocutores ucranianos sabem que não vale a pena dizer “vocês estão enganados, fizeram-vos uma lavagem ao cérebro”. Em vez disso, eles aprendem a escutar. E a fazer perguntas. Na maioria dos casos, a tentativa de conversação não dura muito. Nenhuma conversa pode fluir a não ser que ambos os lados se arrisquem a escutar. Escutar significa estar preparado para ver a questão a partir do ponto de vista do outro. Fazer isto é perigoso num estado autoritário que pune a dissidência. Mas também coloca em perigo o sentimento da própria identidade: deixar o ‘eu’ (self) para trás, abrir mão daquilo que você pensa que é. Os meditantes arriscam isso todos os dias.
Tentar mudar a mentalidade alheia sem sofrer pacientemente a rejeição da sua oferta para escutar é outra espécie de lavagem ao cérebro. Os prisioneiros da última guerra fria eram muitas vezes submetidos a lavagens cerebrais ideológicas antes de serem libertados. Depois tinham que ser recuperados. É como uma perigosa cirurgia cerebral. Invadir e ocupar as mentes dos outros é como a violenta invasão e colonização de um estado soberano. A Rússia está a tentar isto mesmo na Ucrânia e a China conseguiu-o no Tibete.
Ocupar um território é inseparável de procurar ocupar o seu espaço mental. Ambos profanam o ser humano e atacam a civilização. Se forem bem sucedidos, será através de um regime de medo. A resistência mais poderosa a uma ocupação alienígena consiste em continuar a fazer perguntas. Não podemos mudar o esquema mental das pessoas. Mas podemos abrir os seus corações ao abrirmos os nossos a elas: através de perguntas que mostram um caminho não-violento para a verdade.
Também precisamos de nos fazer perguntas a nós próprios. Fui eu enganado? O nosso modo de vida de consumismo ocidental é construído numa forma de engano chamada publicidade. Tem ocupado muitos domínios da vida particularmente visíveis naqueles políticos que se comercializam a si próprios e se recusam descaradamente a escutar as perguntas que lhes são dirigidas. Também tenho conhecido muitos cristãos de berço que precisam de ser des-programados de uma força ocupante de crenças na sua infância: um Deus castigador, a rejeição de outras fés, a criminalização da identidade sexual ou a manipulação através da culpa. Só depois de serem descondicionados de tudo isto é que podem revisitar a pura essência do que lhes foi ensinado e decidir por eles mesmos.
Tais comparações requerem perspetiva e senso comum. Mas se não nos colocarmos perguntas radicais acerca da nossa assumida liberdade, como poderemos ajudar os outros? O prisioneiro torna-se o carcereiro até ser libertado. Escutar as perguntas que libertam a própria verdade que nos liberta não é apenas conversa e troca de ideias. Também se alcança – e talvez de forma mais poderosa deste modo, para aqueles que arriscam – através do hábito de se banhar no silêncio interior.
Abandonar todas as palavras e pensamentos lava a mente num diferente e melhor sentido.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv