
Sexta-feira da Quinta Semana
Quando sentimos que estamos em perigo real e no presente, a vida simplifica-se repentinamente. Conheço um homem que um dia mergulhou numa situação dessas, quando um dentista detetou um inchaço suspeito na sua boca e ele teve de esperar uma semana pelos resultados dos testes. De repente ele entrou numa tempestade de incerteza, medo e ansiedade. Mas ele também descobriu uma hiper-clareza sem precedentes porque as prioridades da sua vida tornaram-se-lhe evidentes, sem ter que refletir ou escolher entre elas. Como resultado, o seu amor pela vida cresceu e levou-o a entender que esse era o seu estado natural, com o qual tinha perdido contacto antes da visita de rotina ao dentista. Os seus sentidos físicos também se apuraram e os prazeres da vida que tinham ficado anestesiados nos anos recentes explodiram para a vida de novo.
Felizmente, os resultados foram negativos do ponto de vista oncológico, mas tristemente negativos quando ele voltou ao seu habitual semi-vital estado. Uma das pequenas lições da vida. Não há nada que nos ensine mais do que os sinais da nossa própria mortalidade.
Talvez os ucranianos, ao combaterem intensamente para salvar a vida do seu país, estejam também a sentir essa explosão de clareza. As decisões da vida quotidiana e as desavenças nos relacionamentos comuns são submetidas a um compromisso de amor e solidariedade mais forte do que o medo da morte. Não é esta a clareza que vemos em Jesus, especialmente no evangelho de João, ao atravessar as suas horas derradeiras? A Paixão, a paixão de amor ou a Paixão de Cristo são passagens, transições a percorrer. Mas quando emergimos, fomos transformados. Se entrámos nela tão longe quanto até à morte e se sofremos aquele lampejo do grande desapego, a mudança em nós não é nada menos do que uma ressurreição, uma completa transformação da consciência. E essa clareza jamais se desvanece novamente.
Kierkegaard pensava que a ansiedade, a que ele chamou “angst” (angústia), é um sintoma da liberdade humana. Quando aparece pela primeira vez, podemos até sentir uma espécie de culpa: “Ó, eu não devia estar a sentir isto. Porque é que não me sinto feliz, como deveria estar, como os meus amigos do Facebook?” Os existencialistas pensam na ansiedade tanto como uma atração para, como uma repulsa das incógnitas dos nossos “eus” futuros. Desesperar, ao confrontá-las, significa que nos recusamos ou não conseguimos ser nós próprios.
Ou então podemos decidir viver, de qualquer modo, e entrar na incerteza. Uma vez que aceitemos o dom do nosso ser – o que John Main pensava seria o resultado da meditação - mudamos. Crescemos. Expandimos. Sentimo-nos unidos ao ser, o que é um estado muito mais profundo e rico do que a angústia existencial e, em vez de por ela, somos inundados pela única certeza verdadeira que podemos tocar: a esperança.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
Site: http://www.meditacaocrista.com/
Facebook: https://www.facebook.com/meditacaocristaportugal
YouTube: https://www.youtube.com/user/meditacaocristaTv
Quando sentimos que estamos em perigo real e no presente, a vida simplifica-se repentinamente. Conheço um homem que um dia mergulhou numa situação dessas, quando um dentista detetou um inchaço suspeito na sua boca e ele teve de esperar uma semana pelos resultados dos testes. De repente ele entrou numa tempestade de incerteza, medo e ansiedade. Mas ele também descobriu uma hiper-clareza sem precedentes porque as prioridades da sua vida tornaram-se-lhe evidentes, sem ter que refletir ou escolher entre elas. Como resultado, o seu amor pela vida cresceu e levou-o a entender que esse era o seu estado natural, com o qual tinha perdido contacto antes da visita de rotina ao dentista. Os seus sentidos físicos também se apuraram e os prazeres da vida que tinham ficado anestesiados nos anos recentes explodiram para a vida de novo.
Felizmente, os resultados foram negativos do ponto de vista oncológico, mas tristemente negativos quando ele voltou ao seu habitual semi-vital estado. Uma das pequenas lições da vida. Não há nada que nos ensine mais do que os sinais da nossa própria mortalidade.
Talvez os ucranianos, ao combaterem intensamente para salvar a vida do seu país, estejam também a sentir essa explosão de clareza. As decisões da vida quotidiana e as desavenças nos relacionamentos comuns são submetidas a um compromisso de amor e solidariedade mais forte do que o medo da morte. Não é esta a clareza que vemos em Jesus, especialmente no evangelho de João, ao atravessar as suas horas derradeiras? A Paixão, a paixão de amor ou a Paixão de Cristo são passagens, transições a percorrer. Mas quando emergimos, fomos transformados. Se entrámos nela tão longe quanto até à morte e se sofremos aquele lampejo do grande desapego, a mudança em nós não é nada menos do que uma ressurreição, uma completa transformação da consciência. E essa clareza jamais se desvanece novamente.
Kierkegaard pensava que a ansiedade, a que ele chamou “angst” (angústia), é um sintoma da liberdade humana. Quando aparece pela primeira vez, podemos até sentir uma espécie de culpa: “Ó, eu não devia estar a sentir isto. Porque é que não me sinto feliz, como deveria estar, como os meus amigos do Facebook?” Os existencialistas pensam na ansiedade tanto como uma atração para, como uma repulsa das incógnitas dos nossos “eus” futuros. Desesperar, ao confrontá-las, significa que nos recusamos ou não conseguimos ser nós próprios.
Ou então podemos decidir viver, de qualquer modo, e entrar na incerteza. Uma vez que aceitemos o dom do nosso ser – o que John Main pensava seria o resultado da meditação - mudamos. Crescemos. Expandimos. Sentimo-nos unidos ao ser, o que é um estado muito mais profundo e rico do que a angústia existencial e, em vez de por ela, somos inundados pela única certeza verdadeira que podemos tocar: a esperança.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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