
Terça-feira da Semana Santa
Esta semana já vos parece santa? Se não, porquê?
A nossa viagem através destes dias deveria primeiramente focar-se em aceitar a plena responsabilidade pela nossa própria existência. Depois, passamos pelo perturbador desafio da nossa inescapável e impossível de saciar, ânsia pelo absoluto. A partir daqui fluímos para uma compreensão de como a nossa passagem pelo tempo está entretecida com a de Jesus.
Assim que começamos a nos perguntarmos quem somos, damos por nós a fluir no tempo. Sentimo-nos mortais. A morte é essencial para a autocompreensão humana. “Mantende sempre a morte diante dos vossos olhos”, diz S. Bento. Os budistas chamam-lhe maranasati. Em breve (se não fugirmos do caminho que já começámos) pensamos na memória. Por quanto tempo é que a nossa memória tem estado a crescer? O quão imprecisa ela pode ser. Com que facilidade esquecemos ou lembramos erradamente. Para Santo Agostinho, não é tanto que tenhamos uma memória, mas que a nossa memória é quem nós somos.
Então rapidamente se torna óbvio que conhecermo-nos a nós mesmos objetivamente é tão irrealista como conhecer a Deus enquanto objeto. Deus está presente em todo o lado, porém sempre incognoscível. Assim, numa menor escala, somos nós. Mas somos compelidos a procurar Deus de modo a nos conhecermos a nós mesmos.
O que é que então aprendemos sobre nós mesmos? Que as nossas vidas não fazem sentido da forma que gostaríamos ou que fingimos. Que somos incompletos, imperfeitos, inacabados. E o que é mais doloroso, que aquilo que queremos nunca nos satisfaz e, no entanto, não somos capazes de parar de querer. Desejamos Deus, porém, Deus sempre excede aquilo que queremos. Qualquer experiência de Deus que tenhamos vai além dos nossos poderes de descrição, apesar de ainda pensarmos que é de desejo que se trata.
Deus é infinitamente desejável, não uma fantasia de realização humana. Como objeto da imaginação, nós sempre sentimos que Deus está ausente. Todavia, essa ausência é uma espécie de inabalável presença. Isto é muito perturbador e a Semana Santa deveria perturbar-nos profundamente.
Buscar a Deus significa passar por uma transformação do desejo que é, ela própria, uma perda e uma morte. No processo, o que pensamos que queremos sempre se evapora na fantasia. Aceitar que somos mortais, limitados em autoconhecimento e sempre incompletos é humildade.
Nós não caímos no amor por Deus. Isso é um disparate romântico. Nós caímos no amor.
A humildade é o passo humano para essa transformação no amor em que caímos, quando prestamos a nossa distraída atenção à infinita atenção que está sempre a irradiar sobre nós.
Em Getsémani, depois de profunda oração, Jesus entregou o Seu básico e humano desejo de viver:
E adiantando-se um pouco mais, caiu com a face por terra, orando e dizendo: “Meu Pai, se é possível, afaste-se de Mim este cálice. No entanto, não seja como Eu quero, mas como Tu queres”.
Laurence
Reflexões para a Quaresma 2021 - LAURENCE FREEMAN OSB
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